A Casa do Terror: a história da Hammer Films

A história da Hammer Films se mescla com a história do terror. Conheça um pouco mais sobre a fundação da companhia e seus anos de glória.

Monstros, criaturas exóticas e vampiros formados a partir de corpos mortos fizeram um enorme sucesso no início da história do cinema, na década de 1930. Mas quando todo mundo parecia um pouco mais confortável, esses seres monstruosos ressurgiram em um novo e ousado estúdio. Marcada pelo rosto de seus atores mais conhecidos, pelo baixo orçamento, pela sensualidade e, claro, por bons filmes de terror, a Hammer Films é uma companhia cinematográfica cuja história e glória se mescla com a história do terror britânico.

Fundada em 5 de novembro de 1934 por William Hammer (ou William Hinds como era seu nome verdadeiro) e com associação de James Enrique Carreras em 1938, hoje é reconhecida principalmente por seus filmes de terror dos anos 1950, 1960 e 1970, com nomes de peso em seus elencos como Christopher Lee e Peter Cushing. Mas há muito mais entre o início e o período atual da história dessa companhia do que esse período da era de ouro do cinema de terror britânico.

Will Hammer, Peter Cushing e James Carrera. Créditos: Peter Cushing Blog

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Na verdade, de acordo com o site dedicado à companhia, somente cerca de ⅓ dos filmes da Hammer pertencem ao gênero de terror. Suas produções, ainda sob o nome de Exclusive Films, como foi fundada por Hinds, começaram na década de 1930 com comédias e dramas, como os filmes The Public Life of Henry the Ninth (1935, dir. Bernard Mainwaring), A Canção da Liberdade (1936, dir. J. Elder Wills) e The Mystery of the Mary Celeste (1935, dir. Denison Clift), este último com Béla Lugosi no elenco. Em 1937, a companhia entrou em falência, e somente com o retorno de Carreras de sua empreitada nas forças armadas pós-1940, e com a ajuda do filho de William, Anthony Hinds, é que a empresa retornaria ao mercado. Em 1949, a Exclusive passou a se chamar, oficialmente, Hammer Film Productions.

Ao longo das duas décadas de 1940 e 1950, a Hammer se ocupou principalmente de filmes de crimes, thrillers e dramas, com algumas aventuras em seus catálogos, como Stolen Face (1952, dir. Terence Fisher) e A Espada de Robin Hood (1954, dir. Val Guest). Parte das produções desse período, com baixo orçamento, foram feitas para preencher lacunas do cinema.

Cena do filme Terror que Mata, de 1955

Mas podemos dizer que a Hammer que conhecemos, ou a que mais frequentemente nos lembramos, começou em 1955 com o sucesso de Terror que Mata. O filme dirigido por Val Guest, adaptado de uma peça televisiva da BBC de Nigel Kneale, nos conta a história de um foguete, tripulado pelo professor Bernard Quatermass (Brian Donlevy), retorna à Terra com dois astronautas desaparecidos e o terceiro incapaz de se comunicar, estando completamente doente com seu retorno. Os anos 1950 foram marcados pelos terrores espaciais e nucleares, e Terror que Mata foi um enorme sucesso para a Hammer, tanto de crítica quanto de público, o que, de certa forma, acabou moldando os próximos passos que a companhia daria. 

O Horror da Hammer

Pôster do filme A Maldição de Frankenstein, de 1957

Apostando em clássicas histórias de terror, com criaturas monstruosas e sobrenaturais, o primeiro filme pós-Terror que Mata do estúdio foi A Maldição de Frankenstein, com Christopher Lee e Peter Cushing, iniciando o que seriam anos de uma parceria muito lucrativa e uma amizade forte que durou o resto da vida de ambos. O filme foi lançado em 1957, com direção de Terence Fisher e roteiro de Jimmy Sangster. Mas, assim como as obras dos Estúdios Universal, que fizeram sucesso no terror nas décadas de 1930 e 1940, os roteiros adaptados foram bastante alterados para caberem nas propostas dos estúdios. Então, tanto em Frankenstein, de 1931, quanto em A Maldição de Frankenstein, de 1957, a história de Mary Shelley sofreu diversas alterações.

Cena do filme A Maldição de Frankenstein, de 1957

Mas essas mudanças não alteraram em nada o sucesso do filme da Universal nas décadas anteriores, e muito menos do grande lançamento da Hammer. Conquistando ainda mais a atenção dos fãs de terror com a história do cientista que queria ser Deus e sua reanimação de cadáveres, estava na hora de outra grande incursão aos clássicos. No ano seguinte, em 1958, foi a vez do lançamento de O Vampiro da Noite, adaptação de Drácula, de Bram Stoker.

Dirigido também por Terence Fisher, o filme novamente contou com a dupla dinâmica Peter Cushing e Christopher Lee. Se em A Maldição de Frankenstein Cushing e Lee foram antagônicos como Victor Frankenstein e a Criatura, eles repetem esse papel em O Vampiro da Noite, com Cushing como Van Helsing e Lee como Conde Drácula.

Pôster do filme O Vampiro da Noite, de 1958

O que se repete também são as alterações do roteiro para a obra original. Em Drácula, de Bram Stoker, Jonathan Harker parte para a Transilvânia para um emprego inocente como corretor para Drácula, mas no filme da Hammer as coisas são diferentes: sob o pretexto de trabalhar em sua grande biblioteca, Harker na verdade deseja a morte de Drácula, sabendo que o Conde é um vampiro.

O Vampiro da Noite rendeu algumas das grandes referências que temos de Drácula hoje. Sendo um dos primeiros filmes a mostrar o Drácula com presas (o primeiro, ao que se sabe, foi o filme Drakula İstanbul’da, de 1953), Christopher Lee adentrou ainda mais no imaginário do terror, dessa vez como uma das imagens mais icônicas do Conde.

Cena do filme O Vampiro da Noite, de 1958

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Esses dois títulos consolidaram de vez um caminho para a Hammer. Os filmes de outros gêneros, como filmes de guerra, dramas e comédias, não foram abandonados. Mas a Hammer estava fazendo sucesso principalmente com filmes de monstros. Ainda no final da década de 1950 foram lançados O Monstro do Himalaia (1957) e Usina de Monstros (1957), ambos dirigidos por Val Guest; O Cão dos Baskervilles (1959), dirigido por Terence Fisher e adaptado do livro de Arthur Conan Doyle; O Homem que Enganou a Morte (1959) e A Múmia (1959), ambos dirigidos por Fisher.

Na mudança de década também surgiram as primeiras sequências dos dois primeiros grandes astros monstruosos da companhia. A Vingança de Frankenstein foi lançado em 1958, e As Noivas do Vampiro em 1960. Os dois filmes foram dirigidos por Terence Fisher que, à esta altura, já estava consagrado como um dos grandes nomes da história dos filmes de terror e sempre aparece quando a questão é a história dos estúdios Hammer.

Terence Fisher, Hazel Court e Peter Cushing nas gravações de A Maldição de Frankenstein

Depois dessas sequências, diversas outras foram produzidas com o passar dos anos. No caso de Frankenstein, ainda tivemos O Monstro de Frankenstein (1964, dir. Freddie Francis), …E Frankenstein Criou a Mulher (1967, dir. Terence Fisher), Frankenstein Tem que Ser Destruído (1969, dir. Terence Fisher), O Horror de Frankenstein (1970, dir. Jimmy Sangster ) e Frankenstein e o Monstro do Inferno (1974, dir. Terence Fisher). Já com Drácula, ao longo das duas décadas seguintes, os filmes utilizando o personagem foram: Drácula, o Príncipe das Trevas (1966, dir. Terence Fisher), Drácula, o Perfil do Diabo (1968, dir. Freddie Francis), O Sangue de Drácula (1970, dir. Peter Sasdy), O Conde Drácula (1970, dir. Roy Ward Baker), Drácula no Mundo da Minissaia (1972, dir. Alan Gibson), Os Ritos Satânicos de Drácula (1973, dir. Alan Gibson) e A Lenda dos Sete Vampiros (1974, dir. Roy Ward Baker e Cheh Chang) — este último foi uma co-produção da Hammer com o estúdio de Hong Kong Shaw Brothers, e foi o único filme do personagem que não foi feito por Christopher Lee (desconsiderando Condessa Drácula, de 1971, e suas próprias sequências).

Ao longo dos anos 1960 e 1970, além das sequências dos monstros que amamos, a Hammer apostou em outros filmes de terror — alguns, inclusive, distantes das figuras monstruosas. A Noite do Lobisomem (1961) e A Górgona (1964), de Fisher, junto de A Serpente (1966), de John Gilling, foram alguns exemplos de monstros nos anos seguintes do sucesso da Hammer. Mas as apostas também se voltaram ao demoníaco e sobrenatural, com A Sombra do Gato (1961, dir. John Gilling), Cilada Diabólica (1964, dir. Freddie Francis), Rasputin: O Monge Louco (1966, dir. Don Sharp) e As Bodas de Satã (1968, dir. Terence Fisher).

Cena de As Bodas de Satã, de 1968

Apesar disso, a Hammer ainda focou esforços em filmes de terror históricos e adaptações literárias do século XIX. A trilogia de filmes inspirados em Carmilla, de Sheridan Le Fanu, composta por Atração Mortal (1970), Luxúria de Vampiros (1971) e As Filhas de Drácula (1971) são os melhores exemplos de sucesso dessa incursão.

Trilogia Karnstein, que reconta a história de Carmilla, de Sheridan Le Fanu, um dos últimos sucessos da companhia no século XX

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Ao final dos anos 1970, entretanto, a Hammer começava a dar sinais de encerramento de suas atividades. A indústria dos filmes começava a sofrer perdas consideráveis de lucros graças à televisão, e isso foi ainda mais forte na Inglaterra. Uma Filha para o Diabo (1976), dirigido por Peter Sykes e Don Sharp a partir do livro de Dennis Wheatley, é considerado o último filme de terror do estúdio no século XX. Apesar disso, a Hammer ainda lançou as séries para TV Hammer House of Horror e Hammer House of Mystery and Suspense nos anos 1980, retornando aos trabalhos somente na década de 2010.

A Hammer no século XXI

Após anos fora do mercado, mas nunca tendo sido esquecida por seus fãs, a Hammer retornou com o filme Deixe-me Entrar, em 2010, adaptação de Matt Reeves do livro de mesmo nome de John Ajvide Lindqvist. Menos querida pelos fãs que a primeira adaptação do livro, dirigida por Tomas Alfredson, o filme de Reeves deu um bom respiro para a produtora, tendo sido elogiado por Stephen King e outros nomes importantes do gênero. 

Cena do filme A Mulher de Preto, de 2012

Em seguida, em 2011, a produtora também lançou A Inquilina, dirigido por Antti Jokinen, com Hilary Swank, Jeffrey Dean Morgan e Lee Pace no elenco. O filme não chamou muita atenção, mas essa falta de interesse foi recompensada com o lançamento de A Mulher de Preto, de 2012, dirigido por James Watkins e adaptado do romance gótico moderno de Susan Hill, com Daniel Radcliffe no elenco. Em 2012, a Hammer se uniu a Alliance Films para o lançamento de dois novos filmes: A Marca do Medo, que foi dirigido por John Pogue e lançado em 2014, e Gaslight, que não chegou a ser lançado.

Cena do filme O Chalé, de 2019

A grande surpresa da companhia nos últimos anos foi o filme O Chalé, dirigido por Severin Fiala e Veronika Franz. O filme fez sua estreia em Sundance em 2019, e chamou a atenção dos fãs de terror. Ainda naquele ano, a Hammer anunciou um contrato com a produtora e distribuidora francesa StudioCanal para seu catálogo. Mas, de acordo com notícias de novembro de 2021, a Hammer também fechou um acordo com a Network Distributing para restaurar seu vasto catálogo e até mesmo para novas produções. Em um de seus últimos anúncios, a Hammer estaria dando suporte ao curta The Monkey’s Paw, de Ben Caplan, que foi financiado coletivamente e está em pós produção.

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Acordo cedo todos os dias para passar o café e regar minhas plantas na fazenda. Aprecio o lado obscuro da arte e renovo meus pactos diariamente ao assistir filmes de terror. MACABRA™ - FEAR IS NATURAL.