O que terá acontecido na rivalidade entre Bette Davis e Joan Crawford?

Não é segredo para ninguém que as duas estrelas de O Que Terá Acontecido a Baby Jane? tiveram uma história de rivalidade fora das telas. A Macabra te conta a fofoca completa.

Quem nunca teve aquele colega de trabalho com quem trocou farpas e uma ou outra indireta no horário do café, não é mesmo? No cinema, um meio que por si só já é um bocado concorrido, as coisas não são diferentes. Conhecemos histórias de atores que não se gostam muito, estúdios que promovem rixas entre um filme e outro — muitos, claro, levam na brincadeira, como o caso de Oppenheimer e Barbie, lançados juntos, e que tiveram várias piadas. Mas, antigamente, as coisas eram muito mais complexas.

Uma das maiores rivalidades conhecidas entre estrelas de cinema foi o caso Bette Davis vs Joan Crawford, duas gigantes da atuação dos anos 1930 e 1940 que se tornaram adversárias ferrenhas. O grande auge da disputa entre as duas foi durante as gravações de O Que Terá Acontecido a Baby Jane? (1962), dirigido por Robert Aldrich e adaptado do livro de mesmo nome de Henry Farrell. Mas os boatos são que as espetadas entre as duas começaram ainda no final de 1930. 

Golpe de mídia ou o santo de uma realmente não bateu com a outra? Como essa história começou? Como foram as gravações de O Que Terá Acontecido a Baby Jane, levando em consideração que as duas já não se gostavam naquela época? Vem que a Macabra te conta tudinho.

Os cinematográficos anos 1930

A década de 1930 foi de uma importância ímpar ao cinema norte-americano. Com sua recente transição dos filmes mudos ao cinema falado, a experiência cinematográfica em si ganhava cada vez mais atenção tanto do público quanto dos emergentes estúdios, que reuniam um grupo de técnicos e atores e os mantinha para si por tempo indeterminado. Naquela época, e por alguns anos posteriores, era bastante comum que os mesmos atores trabalhassem juntos por vários anos devido aos contratos assinados com os estúdios de cinema, como a Warner, 20th Century Fox, Paramount, Universal e MGM — no terror, podemos ver isso através dos Monstros Clássicos e da presença constante de Boris Karloff e Bela Lugosi.

De 1927 — ano em que muitos pesquisadores descrevem como o início do cinema falado — até 1960, considera-se que tenha sido a “Era de Ouro” de Hollywood, e nesse período grandes filmes foram feitos, taxados hoje como os maiores clássicos do cinema; atores foram reverenciados como grandes estrelas, alçados quase ao lugar de deuses entre os mortais; e os cineastas mantinham uma marca muito forte em suas produções. Nomes como Charlie Chaplin, Cary Grant, Greta Garbo, Katharine Hepburn, Humphrey Bogart, Audrey Hepburn, Marilyn Monroe e Fred Astaire são alguns dos listados pela American Film Institute no clássico guia 100 Years…100 Stars com as 50 maiores e lendárias estrelas das telas. Na lista também estão as protagonistas de uma das maiores rivalidades do cinema: Bette Davis e Joan Crawford.

O início da carreira de Bette Davis

Nascida em 1908 em Lowell, Massachusetts, Bette Davis iniciou sua carreira nos palcos de teatro. Aos 18 anos, assistiu a peça O Pato Selvagem, de Henrik Ibsen, e decidiu seguir a carreira de atuação após ver Peg Entwistle em ação. Seu primeiro papel de destaque foi nesta mesma peça, alguns anos depois, no mesmo papel de Entwistle. Aos 22 anos, em 1930, se mudou para Hollywood para tentar ingressar no cinema. 

Chegou a assinar contrato com a Universal, mas seus primeiros testes não deram em nada. Carl Laemmle, então chefe do estúdio, pensou em demiti-la, mas Karl Freund, um dos mais preeminentes diretores de fotografia do estúdio, disse a ele que era um erro pois ela tinha “olhos adoráveis” — e talvez você se lembre da música “Bette Davis Eyes” nesse momento — e seria uma boa escolha para Garota Rebelde (1931). O filme não conquistou muita atenção, assim como seus filmes seguintes, em que fez alguns papéis menores, como Filhos (1931) e A Ponte de Waterloo (1931).

Foi com seu papel em O Homem Deus (1932) que a atriz decolou no cinema realmente. Prestes a deixar Hollywood de lado após não ter seu contrato assinado novamente com a Universal, Davis foi escolhida pessoalmente por George Arliss, com quem coestrelaria O Homem Deus, para o papel de protagonista. O filme se saiu muito bem, assim como Davis, que assinou um contrato de cinco anos com a Warner Bros. Davis permaneceu no estúdio pelos próximos dezoito anos.

Por muitos anos, não foi reconhecida por sua beleza. Vários membros de equipes técnicas nos bastidores, e alguns críticos, também, afirmaram que ela não era tão bonita para o cinema — o próprio Carl Laemmle Jr., na época um dos responsáveis na filmagem de Garota Rebelde, afirmou que ela tinha “tanto sex appeal quanto Slim Summerville”, um cara reconhecidamente nada atraente e que ficou reconhecido por seus papéis em comédias. Mas isso não alterou em nada o talento de Davis, que logo se tornou uma das maiores atrizes de sua geração.

O ínicio da carreira de Joan Crawford

Nascida Lucille Fay LeSueur na cidade de Nova York em 1904, Crawford entrou na indústria do entretenimento alguns anos antes de Bette Davis. Assim como alguns astros dos primeiros anos da Era de Ouro do cinema, antes de ingressar em Hollywood, Crawford era dançarina em espetáculos itinerantes. Depois da Broadway, partiu para tentar o sucesso nas telonas.

Em 1925 assinou um contrato com a MGM, mas não estava contente com a qualidade de seus papéis. Seu primeiro filme se chamou Lady of the Night (1925), onde foi dublê de corpo e não foi creditada. Em seguida, esteve em Jornada Romântica (1925), e também não recebeu créditos. Depois de mais alguns papéis pequenos e sem muita importância, veio a mudança de nome para Joan Crawford através de um concurso realizado em uma revista pelos chefes de publicidade do estúdio, Pete Smith, e do próprio chefe do estúdio, Louis B. Mayer.

Mostrando que a propaganda é a alma do negócio, Crawford começou uma campanha publicitária a favor de si mesma. Frequentava bailes e ganhava concursos com seus passos de dança aprendidos no início da carreira. Seu primeiro papel com maior destaque foi Sally, Irene e Mary, em 1925, e no ano seguinte já estava listada como uma das maiores estrelas em ascensão do cinema.

Joan Crawford e Lon Chaney em O Monstro do Circo, 1927

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Em 1927, Crawford contracenou com Lon Chaney em O Monstro do Circo. Chaney era uma das maiores estrelas do estúdio MGM e ficou reconhecido por suas habilidades de contorcionismo, maquiagem e de atuação. Mais de uma vez Crawford afirmou que aprendeu mais com Chaney enquanto o observava trabalhar do que com qualquer outra pessoa, e que foi com ele que descobriu a diferença entre “estar diante de uma câmera e atuar”.

Crawford continuou crescendo e se tornando cada vez mais uma estrela ao final da década de 1920 e início dos anos 1930. Diferente de Davis, Crawford sempre foi considerada de uma beleza excepcional, mas ao final daquela década sua carreira já entrava em declínio, e começou a ser considerada uma azarona das bilheterias. 

O início da rixa

Joan Crawford e Franchot Tone

Crawford nunca escondeu que era uma pessoa um tanto competitiva. Ainda nos anos 1920, disputava descaradamente contra Norma Shearer — de quem tinha sido dublê de corpo em Lady of the Night —, pois a atriz era casada com o chefe de produção da MGM, Irving Thalberg, e, de acordo com Crawford, sempre ganhava os melhores papéis. Chegou a questionar, certa vez, como poderia disputar com Shearer se ela “dormia com o chefe”. 

Mas, de início, a rivalidade entre Crawford e Davis era apenas a de duas estrelas em ascensão no mesmo período. Davis estava na Warner Bros., Crawford na MGM, e por causa de seus contratos de exclusividade que faziam que elas permanecessem longos períodos no mesmo estúdio, elas não brigavam pelos mesmos papéis; além disso, cada uma estava acostumada a um tipo específico de personagens. 

Bette Davis e Jack Warner na cerimônia do Oscar de 1936

Mas as coisas começaram a esquentar no final da década de 1930, e os boatos são que um pouco dessa rixa crescente teve a ver com um homem. Dizem que, enquanto gravava Perigosa (1935), papel que lhe rendeu seu primeiro Oscar de Melhor Atriz, Davis se sentiu atraída e se apaixonou por seu par no filme, Franchot Tone. Mas Tone estava recém-casado com Joan Crawford, com quem compareceu à cerimônia da Academia. A história que contam é que, achando que não ganharia o prêmio, Davis escolheu um vestido simples. Quando ganhou, Tone lhe deu um grande abraço. Crawford, que permaneceu sentada, disse à atriz: “Bette, querida, que linda camisola!”, depois de olhá-la de cima a baixo.

Bom, daí em diante as coisas foram ladeira abaixo.

Apenas especulação

Bette Davis, Jack Warner e Joan Crawford

Alguns anos depois desse grande momento no Oscar, Crawford deixou a MGM. Apesar de ter menos papéis a essa altura, ela ainda era um grande nome e com certeza poderia ter escolhido muitos estúdios para fazer parte. Mas ela foi para a Warner Bros. 

Ela não apenas foi para a Warner Bros., como pediu o camarim ao lado do de Bette Davis. Os boatos são que Crawford tentou uma aproximação com a sua rival — ou, talvez, tenha feito isso para deixá-la com ainda mais raiva —, enviando-lhe flores e presentes, mas todos eram recusados.

Um ponto interessante dessa narrativa que, de certa forma, é uma grande especulação — mesmo com certos indícios firmes —, é que Crawford era uma pessoa bissexual, tendo se relacionado com homens e mulheres ao longo de seus anos de carreira. Em meados dos anos 1950, surgiu o rumor de que Crawford, na verdade, estivera interessada em Davis. Seu amigo e confidente Jerry Asher afirmou que, certa vez, Crawford lhe dissera: “Franchot não está interessado em Bette, mas eu não me importaria de dar uma cutucada nela se estivesse de bom humor”. Posteriormente Asher disse que nunca soube se Crawford falava sério, mas adicionou que a atriz “sempre foi atraída pela vitalidade e energia de Bette… Bette sempre esteve convencida, por seu ego, que Joan se sentia atraída por ela, e esse era um dos motivos de porque ela era tão antagonista a ela e a chamou de falsa”.

O Que Terá Acontecido a Baby Jane?

Se hoje nós temos tantas atrizes comentando sobre a dificuldade de terem papéis relevantes depois de certa idade, isso era um problema ainda maior em meados do século passado. Ao longo da década de 1940, tanto Crawford quanto Davis viram seus papéis diminuírem. 

As duas atrizes, que faziam vários filmes por ano, começaram a ter convites mais espaçados, ainda que tenham feito grandes obras nesse período. Davis, por exemplo, fez A Malvada (1950), um de seus filmes mais conhecidos; enquanto Crawford fez Os Desgraçados não Choram (1950) e Alma em Suplício (1945) — este último garantiu um Oscar a Crawford por um papel rejeitado originalmente por Davis.

As duas continuaram seguindo suas vidas separadas e trocando eventuais farpas, até o início de 1960. Davis estava em uma peça certo dia quando recebeu a visita de Crawford, que mostrou a ela o livro de Henry Farrell. Crawford sempre teve tino para a propaganda e o marketing pessoal, então pensou que a pessoa perfeita para estrelar aquele filme com ela seria Davis. A disputa entre as duas já era pública há anos. Esse filme poderia se basear nisso para auxiliar nas vendas.

Davis aceitou assinar o contrato para o filme, mas tinha duas condições: a primeira era de que interpretasse Jane, e a segunda era de ter certeza que Robert Aldrich, o diretor do filme, não estava dormindo com Crawford. Davis afirmou que não se interessava pela vida pessoal da atriz, mas queria ter certeza que ela não seria favorecida “em certos ângulos”. 

O Que Terá Acontecido a Baby Jane? narra a história de duas irmãs: Jane (Davis), que foi uma atriz infantil de sucesso mas acabou perdendo seus dias de fama, e Blanche (Crawford), que se tornou atriz já adulta, mas sofreu um acidente e acabou paraplégica. As duas vivem juntas em uma mansão decrépita, e conforme Jane começa a perder sua sanidade, vemos a relação das irmãs se deteriorar ainda mais.

Apesar de todas as farpas trocadas entre as duas atrizes, foi com Baby Jane que as coisas desandaram pra valer. Na época, Crawford estava na direção da Pepsi, pois seu ex-marido era um dos acionistas, e por causa disso Davis instalou uma máquina da Coca-Cola em seu camarim. As duas faziam com que a outra tivesse mais dificuldades em atuar — em uma cena em que Jane bate em Blanche, Crawford pediu um dublê de corpo pois não confiava em Davis (um temor que logo foi confirmado pois Davis realmente atingiu Crawford); em outra, onde Blanche deveria ser arrastada para fora da cama por Jane, Crawford se fez mais pesada possível sabendo que Davis tinha problemas nas costas. 

Mas se você acha que as brigas acabaram quando as filmagens do filme terminaram, você se enganou. No Oscar do ano seguinte, Davis estava indicada como Melhor Atriz, mas Crawford não. Se sentindo levemente ultrajada, Crawford começou uma campanha contra Davis, e começou outra a favor de si mesma, convencendo alguns atores que não poderiam comparecer à cerimônia a deixarem que ela recebesse o prêmio em seu lugar. E ela conseguiu. Naquela noite, Crawford subiu ao palco do Oscar para receber o prêmio de Anne Bancroft, enquanto Davis assistia um tanto quanto consternada.

Crawford e Davis deveriam protagonizar juntas outro filme adaptado de um conto de Henry Farrell, Com a Maldade na Alma (1962), que também foi dirigido por Aldrich. Mas Crawford temia que fosse novamente “apagada” por Davis, e depois de uma semana de gravações ela saiu do papel. Depois de muito tempo procurando uma nova atriz, Olivia de Havilland acabou contracenando com Davis.

Feud: Bette and Joan

Essa história toda, com foco especial nas gravações de O Que Terá Acontecido a Baby Jane?, é contada na série antológica Feud, criada por Ryan Murphy. A primeira temporada, que teve oito episódios, contou em detalhes essa rivalidade entre Crawford e Davis, interpretadas por Jessica Lange e Susan Sarandon, respectivamente. Atualmente, está disponível no streaming Star+.

Uma nova temporada foi lançada recentemente, focando desta vez na relação de Truman Capote e seus “cisnes”, mulheres da alta sociedade que se consideravam amigas do escritor até que ele publicou um artigo expondo detalhes de suas vidas pessoais. A temporada estreou no final de janeiro nos Estados Unidos, mas ainda não tem data prevista para o Brasil. 

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Acordo cedo todos os dias para passar o café e regar minhas plantas na fazenda. Aprecio o lado obscuro da arte e renovo meus pactos diariamente ao assistir filmes de terror. MACABRA™ - FEAR IS NATURAL.