Protagonismo feminino nos filmes de terror: o que temos além das final girls

Em uma indústria que ainda falha na igualdade de gêneros, produções de terror são as que mais dão voz às mulheres.

A falta de representatividade em Hollywood não é novidade para ninguém. A indústria cinematográfica mainstream tem um histórico de desprezar mulheres, negros, latinos, asiáticos, gays, trans… enfim, praticamente qualquer um que não seja um homem branco hétero. No caso da inclusão das mulheres, as coisas são um pouco diferentes quando falamos de filmes de terror.

Carrie, a Estranha

LEIA+: GABRIELA AMARAL: “O CINEMA BRASILEIRO DE TERROR TRABALHA EM UM TERRENO MUITO FRESCO”

Segundo um estudo da professora de comunicação Stacy Smith, da Universidade da Califórnia do Sul, dos 5.839 personagens presentes nos 129 filmes de maior bilheteria entre 2006 e 2011, menos de 30% eram mulheres. Ao mesmo tempo, apenas metade deles passou no Teste de Bechdel, cujos critérios exigem que o filme tenha pelo menos duas mulheres, que elas tenham nomes e que conversem entre si sem que o assunto seja homens. 

Ou seja, apesar de alguns avanços terem ocorrido nos últimos anos, como a ascensão de diretoras como Patty Jenkins, Greta Gerwig e o Oscar de Kathryn Bigelow, Hollywood se mantém forte como um grande Clube do Bolinha. Até mesmo no cenário independente esta é uma batalha árdua, conforme assinalou a atriz Jessica Chastain no Festival de Cannes de 2017.

Jessica Chanstain no filme It, Capítulo 2

Para a atriz, não se trata apenas da quantidade de mulheres em cena, mas da forma com que elas são representadas. Nas palavras da própria Chastain:

“Esta foi a primeira vez que eu assisti 20 filmes em 10 dias, e eu amo filmes! E o que mais me marcou desta experiência é a forma como o mundo enxerga as mulheres a partir das personagens femininas representadas nos filmes. Foi um tanto perturbador para mim, pra ser honesta — com algumas exceções. Eu espero que quando mais contadoras de histórias mulheres forem incluídas, mais estas personagens irão se parecer com as mulheres que eu conheço no meu dia a dia. Elas são proativas, têm seu próprio ponto de vista e não apenas reagem aos homens ao seu redor.”

Rastreando a participação de mulheres em filmes

O Teste de Bechdel é apenas uma das formas de medir a qualidade das personagens femininas nos filmes e sua relevância para a trama. Porém, ele apresenta parâmetros bem simples e que não são capazes de analisar em profundidade se as mulheres nos filmes correspondem às expectativas do público feminino, tampouco quantifica a participação destas personagens no filme quanto ao seu tempo em cena e seu volume de fala.

A atriz Geena Davis, de Thelma e Louise, tem um instituto que estuda a representação de gêneros na mídia e avalia como este desequilíbrio afeta mulheres e garotas. Todos os anos o instituto publica estudos neste sentido. Um exemplo é a pesquisa que apontou que papéis importantes e positivos de personagens femininas em filmes motivam mulheres a serem mais ambiciosas profissionalmente e pessoalmente.

Geena Davis no filme A Mosca

Um estudo conduzido pelo Google em parceria com o Instituto Geena Davis desenvolveu um parâmetro chamado GD-IQ, um coeficiente de inclusão. O objetivo é identificar padrões em gênero, tempo de tela e tempo de fala aos quais o público médio pode nem perceber.

O resultado do estudo consolidou a impressão que já se tinha: em filmes, homens são vistos e ouvidos duas vezes mais do que mulheres. A exceção ocorreu nos filmes de terror.

O protagonismo feminino no gênero do terror

Se a gente parar pra pensar, até que faz bastante sentido. O terror tem um histórico há algumas décadas de protagonistas marcantes. Em Carrie, a Estranha, O Massacre da Serra Elétrica, Halloween e até em exemplos mais recentes como A Morte te dá Parabéns e Midsommar: O Mal não Espera a Noite, os holofotes recaem sobre elas. 

Midsommar: O Mal não Espera a Noite

Tradicionalmente, e na maioria dos exemplos citados acima, as personagens femininas em filmes de terror são vítimas de assassinos em série maníacos. Isso significa que elas gritam bastante em suas histórias. Porém, como bem sabemos, as Final Girls são as sobreviventes destas produções, que, graças a sua inteligência e resiliência, conseguem chegar ao final e em alguns casos até matam o assassino.

LEIA+: FINAL GIRLS: AS SOBREVIVENTES DO HORROR

Porém, o que se observa em produções mais recentes é que estas personagens deixaram de ser apenas as vítimas do horror porn dos slashers. Filmes como Nós, A Bruxa e Hereditário têm mulheres marcantes em suas histórias sem precisar recorrer à figura da donzela desesperada. Elas possuem camadas mais profundas e personalidades mais ambíguas, enriquecendo seus enredos e permitindo maior identificação com o público.

Nós

Por mais que ainda existam muitos estereótipos femininos no terror, é inegável a contribuição do gênero em dar espaço às mulheres por meio de marcantes protagonistas. Elas podem não ser perfeitas, mas pelo menos têm suas vozes ouvidas tanto quanto os homens. Terror mesmo é viver em um mundo em que este desequilíbrio ainda seja tão gritante.

LEIA+: ONDE ESTÃO AS FINAL GIRLS NEGRAS DOS FILMES DE TERROR?

*

Gostou da matéria sobre o protagonismo de mulheres nos filmes? Não deixe de conferir a tag Diretoras Macabras para conhecer mais mulheres no horror. Comente com a Macabra no Twitter e no Instagram.

Compartilhe:
pin it
Publicado por

Renunciei à vida mundana para me dedicar às artes da trevas. No meu cálice nunca falta vinho ungido e protejo minha casa com gatos que afastam os espíritos traiçoeiros. MACABRA™ - FEAR IS NATURAL.