Wes Craven e Clive Barker falam sobre horror e sexualidade

Wes Craven e Clive Barker, duas mentes macabras do cinema, falam sobre a psicologia por trás com horror com a Dra. Ruth Westheimer.

Dra. Ruth K. Westheimer foi uma terapeuta psicossexual e um ícone pop-cultural na década de 1980. Seu trabalho era visto com igual respeito e divertimento, e era uma voz positiva para a sexualidade em uma era tão repressiva. Além do programa que mantinha no ar, na época ela apareceu na capa da People Magazine e Tv Guide, e publicou mais de 30 livros.

Certa vez, os diretores Wes Craven (A Hora do Pesadelo) e Clive Barker (Hellraiser) compareceram no programa e falaram com ela a respeito da psicologia por trás do horror. Percebe-se pela conversa que ela não é lá muito chegada nos filmes, e até dá a entender que apenas razões superficiais estimularam os diretores convidados a criar tais filmes de terror, mas Craven e Barker dão excelentes respostas na entrevista.

Confira o vídeo original e a transcrição traduzida para o português pela Macabra.

Tradução macabra da entrevista

Dra Ruth: Hoje a noite nós vamos falar sobre filmes. Me ajudem a receber Wes Craven, que é o criador de Freddy Krueger e que tem um filme nos cinemas agora. *Palmas* Obrigada, Wes. E nós também temos outro convidado, lá de Los Angeles via satélite, me ajudem a receber Clive Barker. Um escritor famoso, autor do livro In the Flesh e da história “A Madonna”. Deixe-me perguntar primeiro para você, Wes. Como você assusta os jovens nos filmes? Como você faz isso?

Wes Craven: Bem, eu basicamente faço coisas que acho que me assustam, então eu lido com os medos que acredito que vem dos primeiros cinco anos de vida, sabe, como o adulto assustador, o adulto que está fora de controle, a busca por controle no mundo, ficar sozinho no escuro, ser impotente, esse tipo de coisa. E aí tento dar a volta no final quando o herói ou heroína ganham controle de suas vidas.

Dra Ruth: Mas é muito interessante, no filme que eu vi que você fez, A Hora do Pesadelo, você tinha uma família inteira envolvida. Não era só…. você tinha uma mãe, pai, adolescente e… você fez isso propositalmente, para que a família fosse parte disso?

Wes: Sim, acho que a família é uma situação de terror muito boa, no sentido que os primeiros medos que temos são aqueles onde a criança está no berço e temos medo de não ter controle sobre nossos pais ou sobre quais coisas terríveis eles vão fazer conosco. Então acho que, de certa forma, Freddy Krueger é o papai malvado, sabe, o pior papai que você poderia imaginar. *Risos*

Dra Ruth: Mas a garotada, os jovens, amam isso – o Freddy Krueger. O que é que eles gostam nele?

Wes: Assim, tem muitas coisas a respeito do Freddy. Uma é que ele é muito honesto, quero dizer, ele fala exatamente o que ele vai fazer e aí ele vai e faz.

Dra Ruth: Você quer dizer que não tem ambiguidade. Não é o caso de que às vezes ele é um pouco bonzinho. Ele é sempre mau.

Wes: Exatamente. E ele te diz exatamente o que ele é, então você não tem que ficar tentando adivinhar o que ele está tramando, sabe, ele é honesto. A outra coisa é que, eu acho que… soa muito primitivo às vezes, mas homens e mulheres sempre tentaram vestir essa fantasia daquilo que mais os assusta. Em muitas culturas, eles vestem essas peles de tigre ou uma…

Dra Ruth: Como ritos de iniciação…

Wes: Exatamente. É um rito de passagem onde você sente que controla os piores medo da sua vida. Assim, no sentido de que é isso que significa se tornar um adulto, que é sentir que a coisa mais assustadora que pode acontecer com você pode ser controlada de alguma forma ou que você pode ter poder sobre ela. Então quando você veste uma máscara ou camiseta do Freddy Krueger você controla o Freddy Krueger. Ele se torna algo com o que você pode brincar e fazer piada, em vez de sentir medo dele.

Dra Ruth: Preciso perguntar para vocês dois, Clive e você Wes, cada um tem que me responder. Me contem a verdade. Não é também para que as garotas que vão ao cinema com os garotos fiquei assim neles, fiquem abraçando firme, para que eles possam senti-las um pouquinho?

*Risos*

Clive Barker: E isso é uma coisa tão ruim assim?

Dra Ruth: Eu só quero saber se isso é algo que passa pela sua cabeça nem que seja um pouco, Clive.

Clive: Acho que o que passa pela minha cabeça é entregar algo que divirta todo mundo no cinema. Penso que se as meninas e os meninos querem ficar juntos, hey, por que não?

Dra Ruth: Então, Clive, seu herói quando você era uma criança pequena, quando você era mais novo não pequeno, era o Drácula.

Clive: Eu amo o Drácula. Acho que…

Dra Ruth: O que você adora nele?

Clive: Hm, bem, esse cara vive pra sempre. Consegue conquistar garotas só olhando pra elas…

Dra Ruth: Mas ele beijava elas!

Clive: É… mas isso não significa que ele era uma pessoa ruim. *Risos* Eu sou texano, e é muito importante que a gente entenda que esses monstros são na verdade muito atraentes pra gente. Citando o que estávamos falando sobre vestir a máscara do Freddy Krueger, dar poder sobre o Krueger. Tem também uma parte de nós que quer ser esses monstros, esses monstros são figuras muito poderosas. Eles são coisas, criaturas, que tem poderes que talvez a gente queira ter. Eu adoraria poder voar, adoraria poder me transformar em lobo, viver para sempre. Estes são atributos maravilhosos, então quando eu era criança Drácula era uma figura muito atraente, muito sexy. Eu gostaria de ser ele.

Dra Ruth: Só porque ele pegava todas essas mulheres?

Clive: Bem, esse era um dos motivos, sim.

Wes: Ele também se vestia muito bem.

Dra Ruth: Por que Freddy Krueger… por que ele tem que ter unhas tão compridas?

Wes: Bem, porque ele nunca fica nervoso, ele nunca rói as unhas. *Risos*

Dra Ruth: Mas tem algum motivo? Quero dizer, porque ele pode rasgar coisas…

Wes: Na verdade eu estava procurando por – novamente de volta às primeiras memórias do medo humano – eu pensei que a primeira coisa que as pessoas provavelmente sentem medo era da garra dos animais, sabe, tentando pegar eles, isso bem lá no passado, então estaria enterrado no inconsciente. Penso que é por isso que a unha de alguém arranhando um quadro é tão, sabe, é tudo tão… *Faz um som de incomodado* aquele som, sabe.

Dra Ruth: Talvez seja por isso que você, Clive, em termos de Drácula, quando o Drácula era sexualmente excitante (porque é assim que ele é para algumas mulheres)? E quando você era muito mais novo, você decidiu que iria assustar as pessoas assim?

Clive: Sim, desde muito novo parecia uma boa coisa a se fazer já que eu era uma criança que não era boa em esportes, que não era boa em muita coisa, mas que era bom em assustar pessoas. E isso te dá, você tem que admitir, certo poder sobre as pessoas. Se você consegue fazer as pessoas rirem, você tem poder sobre elas, se você consegue assustar as pessoas, você tem poder sobre elas.

Dra Ruth: E qual é o tamanho, e eu quero saber dos dois, mas Wes primeiro, qual é o tamanho do papel da imaginação em todo o trabalho de vocês?

Wes: Bem, é um papel bem bem grande. Ela é a casa dos pesadelos original, a imaginação humana…

Dra Ruth: Então, Wes, você anda na rua e subitamente pensa que seria legal se caísse sangue daqui e se caísse sangue dali…?

Wes: Bem, ela vem de todos os tipos de lugares. Assim, a ideia para A Hora do Pesadelo veio quando eu estava em um café e estava lendo um artigo sobre um cara que teve um pesadelo muito ruim e tentou ficar três dias acordado, até que caiu no sono e morreu durante um pesadelo. E, de repente, caiu a ficha bem ali no café de que isso daria um ótimo filme.

*Risos*

Wes: Bem, foi mesmo.

Dra Ruth: De onde vieram, além de Drácula, Clive, de onde vieram… de onde vem as suas ideias?

Clive: Elas vêm de todos os lugares. Às vezes elas vêm de sonhos. Muitas delas vêm dos meus sonhos, sabe. Eu sempre senti, quando era criança, essa coisa fervendo dentro de mim. Toda essa imaginação, toda essa escuridão, e acontece que seus professores e pais te falam para não fazer mais isso. Eles te dizem que a imaginação é ruim, que o mundo real é o que você precisa encarar e eu acho que a imaginação pode não apenas ser uma cura, mas quando reprimida pode também nos prejudicar. Eu não tenho pesadelos, nunca. Porque…

Dra Ruth: Você dá eles para a gente! É por isso que você não tem… *Risos*

Clive: Sim, espero que sim. A escuridão dentro de mim está sendo expressada. E acho que isso é muito saudável.

Dra Ruth: Mas, vou perguntar para ambos, primeiro para Wes, por que tem que ser tão nojento? Por que tem que rasgar a carne, pessoas desaparecendo ao serem engolidas pela cama?

Wes: Bem, acho que é o que o Clive estava falando sobre, que não é uma coisa muito sofisticada e em camadas que a escola e tudo o mais nos mostra. É muito muito simples. É no corpo, que é a coisa mais simples que temos. Nós temos que depender do nosso corpo. Então se isso é ameaçado, essa é a maior ameaça e nós queremos saber que, de certa forma, isso tem estômago, tripas, que assim sabemos que é frágil. E um filme que tem isso não vai ser, bem, civilizado. Não tem a ver com a realidade processada. Não é refinada. É refrescante.

Dra Ruth: Acho que o Clive está assentindo… Clive.

Clive: Sim, e não só isso. É também o fato de que eu acho que Wes e eu estamos tentando fazer coisas, imagens, que ninguém nunca viu antes e algumas dessas imagens vão ser nojentas. Eu quero que as pessoas venham assistir meu filme essa noite, que não vão assistir Shocker ou sei lá o que. E que vejam essas imagens, imagens essas que eles não poderiam sequer imaginar nos seus sonhos mais loucos. Essa é parte da nossa responsabilidade como artistas.

Dra Ruth: Isso é realmente fascinante. Continuem aí que nós já voltamos para falar mais sobre isso.

Compartilhe:
pin it
Publicado por

Desbravo terras e guio cabras pelo Vale das Sombras. Nas noites de quarta-feira reúno a família na fazenda para deliberar sobre filmes e livros de terror. MACABRA™ - FEAR IS NATURAL.