O tratamento de mulheres queer nos filmes Blaxpoitation

Heroínas negras queer deveriam fazer parte da narrativa da mesma forma que heroínas negras heterossexuais fizeram. Onde começa a mudança?

* Traduzido e adaptado do texto The treatment of queer women in blaxploitation films, de Stephanie Williams, do site Syfy.

O início até a metade dos anos 1970 foi um momento vibrante para o blaxploitation; houve uma afluência de filmes como Cleópatra Jones; Coffy: Em Busca da Vingança; Foxy Brown; Sheba, Baby, que introduziram mulheres negras como protagonistas em um gênero predominantemente masculino. Apesar dessas heroínas serem mulheres para não se brincar, elas paradoxalmente performam uma hiper feminilidade e uma hiper masculinidade — simultaneamente agindo como heroínas de ação letais e objetos sexuais.

Sheba, Baby

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Enquanto esses filmes, à primeira vista, parecem poder ser vistos como uma fonte de empoderamento feminino, essa não é a completa verdade. Eles estão ali muito pelo olhar masculino; funcionando para atender às demandas alvo das audiências masculinas negras, esses filmes predominantemente tem tramas focadas em vinganças revolucionárias e muita nudez feminina. Havia também fronteiras entre a feminilidade negra e branca. A lesbianidade era extremamente racializada e, portanto, subsequentemente ligada à luta binária entre bem e mal enquanto mulheres brancas vilãs eram lésbicas, e as mulheres negras heroínas eram sempre heterossexuais.

Mulheres negras lutaram com as expectativas de raça e gênero nas décadas de 1960 e 1970, e ainda lutam hoje. A esse respeito, nada mudou muito. Contudo, durante aquele período, tanto os movimentos Black Power como o movimento de Libertação das Mulheres, estavam fortes, criando um autêntico cabo-de-guerra com os direitos das mulheres negras bem no meio. Homens negros e mulheres não brancas estavam em uma posição de tratar raça e gênero como duas categorias mutualmente exclusivas. Ou raça era privilegiada sobre gênero ou vice-versa. Era esperado que mulheres negras considerassem sua raça sobre seu gênero por seus companheiros homens negros, criando uma estrutura de poder de gênero com o Movimento Black Power. Isso significa que mulheres negras foram colocadas em papéis secundários de suporte no que era uma luta dominada por homens pela revolução. Por outro lado, o Movimento de Libertação de Mulheres, que foi considerada a segunda onda do feminismo abraçada por mulheres brancas, se tornaram sua forma de resistência. Mulheres negras se encontrando no meio dos dois se viram forçadas a denunciar o feminismo, como sendo algo somente para mulheres brancas de classe média. 

Cleópatra Jones

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Com tudo isso em mente, as escolhas de direção feitas nos filmes de blaxploitation, protagonizados por heroínas negras fortes e heterossexuais contra mulheres brancas lésbicas, começa a ficar mais claro. Uma mulher negra queer não necessariamente se encaixaria no papel de suporte para um homem negro da mesma forma que uma mulher negra heterossexual poderia. Uma mulher negra interessada em outra mulher não necessariamente se encaixaria no que os criadores estavam fazendo quando se tratava de criar essas mulheres para as audiências masculinas visadas. Então, não era necessário criar protagonistas como uma Cleópatra Jones queer; contudo, a oportunidade de racializar ainda mais a questão queer e uma irmandade segregada estava lá e foi aproveitada.

No primeiro filme de Cleópatra Jones, Cleópatra se vê cara a cara com uma vilã chamada Mommy, uma mulher branca mais velha que demonstra comportamento predador com mulheres que ela mantém por perto para seu prazer. Embora seja uma assassina, rainha das drogas que merece ser tirada de circulação, Mommy é uma mulher má que, acontece, também gosta de mulheres. Seu personagem age como a anti heroína consumada de Cleópatra; suas transgressões de gênero exageradas servem para separar ainda mais as duas personagens. Essa não é a única ocorrência também; na sequência Cleópatra Jones e o Cassino de Ouro, a protagonista novamente desafiada por uma mulher branca lésbica vilã chamada Dragon Lady. Ela é a cabeça de um império de drogas underground. Nossa introdução a sua sexualidade acontece logo adiante, quando ela emerge do que parece ser uma orgia entre mulheres.

Cleópatra Jones e o Cassino de Ouro

O estigma de bom como heterossexual contra mau como queer também aparece em Foxy Brown. Brown e sua amiga, Claudia, entram em um bar gay só de mulheres e são quase imediatamente cercadas por mulheres brancas e lésbicas. Ao contrário de Cleópatra Jones, contudo, onde há razões para que Cleópatra lute contra aquelas mulheres, aqui as personagens lésbicas brancas não tem motivo aparente com Brown e Claudia fora elas terem aparecido no bar. Na verdade, qualquer outro estabelecimento poderia ser usado por Brown e Claudia para procurar refúgio, mas o uso de um bar lésbico funciona em um nível mais profundo, para ressaltar raça e sexualidade como fatores decisivos na criação de uma solidariedade feminina. Além disso, o apagamento de mulheres negras queer quando a questão queer claramente existe nesses filmes reitera que elas não servem ao propósito de uso.

Foxy Brown

Avançando aos dias presentes, temos Pantera Negra da Marvel; enquanto não é diferente de outros filmes do MCU quando se trata de falhar em incluir protagonistas queer relevantes e não um subtexto queer para outros, também não está muito longe dos filmes de blaxploitation que vieram antes mesmo que as heroínas do filme não estão unicamente presentes para o olhar masculino. Pantera Negra tem abundância em heroínas negras, mas a heroína negra queer conhecida do filme, Ayo, tem pouco tempo em cena e não tem falas — para não mencionar que a única forma de saber sobre a sexualidade de Ayo é conhecendo sua personagem em outras formas de mídia onde sua sexualidade é claramente expressa (como na série limitada em quadrinho World of Wakanda).

Pantera Negra

Em um filme que não foge de deixar mulheres serem parte do conflito, permitir que somente mulheres heterossexuais estejam na linha de frente é lamentável. A beleza de Pantera Negra está em mostrar que a irmandade entre personagens tão fortes, mas reduzir a solitária mulher negra queer conhecida para um personagem de segundo plano é um grande passo em falso, um que ecoa da história dos filmes blaxploitation que vieram antes dele, e um que está em extrema necessidade de correção.

Heroínas negras queer deveriam fazer parte da narrativa da mesma forma que heroínas negras heterossexuais fizeram. No que diz respeito aos filmes mainstream, Pantera Negra 2 seria uma oportunidade excelente para fazer isso, levando em consideração que Ayo é uma personagem estabilizada. Com esperança, essa oportunidade será aproveitada, mas no geral nós precisamos de mais heroínas negras queer na linha de frente de suas próprias narrativas.

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