Um breve mergulho na ficção científica de Stephen King

Que King é o rei do terror todos sabemos, mas e quanto às suas jornadas ao campo da ficção científica? Cesar Bravo dá um breve panorama sobre as obras do autor no gênero.

Por Cesar Bravo

Todo escritor nascido no horror conhece o risco de se aventurar nas águas radioativas da ficção científica. Confusões na classificação do gênero, pecados de originalidade, furos e mais furos na trama que quase sempre precisa de um empurrãozinho “deus ex machina” para conseguir um fechamento digno. Para nossa sorte, nosso bastião maior da escrita ficcional, vossa majestade Stephen King, nunca teve receio de deixar sua zona de conforto.

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Dito isso, selecionei para os súditos maiores algumas expedições de King ao mundo das ciências não tão conhecidas. Apertem os cintos! A viagem promete ser turbulenta!

Os Estranhos

Que tal começarmos pelo (quase) mais polêmico de todos?

Em Os Estranhos (Tommyknockers), King decide falar de vida alienígena, e sendo King, claro que seus demônios pessoais gritam como loucos durante o livro todo. Alcoolismo, antipatia com religiões, fanatismo, enfim, o livro tem uma boa trama, mas considerada cansativa por centenas de leitores infiéis. A adaptação audiovisual de 1987 é um pouco mais ágil, mas também ficou devendo para os fãs mais puristas do sci-fi. Ainda assim, ninguém se sai melhor que Stephen King em encontrar tesouros alienígenas enterrados bem debaixo de nossos narizes!

Comboio do Terror

Agora sim o mais polêmico! Afamado como a maior bomba de Stephen King, Comboio do Terror traz em sua premissa a passagem de um meteoro que deixa todas as máquinas da terra operando por vontade própria. Não somente isso, elas se tornam assassinas de humanos. Em meio a toneladas de cocaína, o autor, diretor e roteirista Stephen King deixou a mente perambular e quase se perdeu pelo caminho da adaptação. Mas tudo bem. É King. A trilha sonora toda é do AC/DC. Então está na minha lista de preferidos da vida!

A Longa Marcha

Novela ainda não adaptada, A Longa Marcha foi publicada em 1979, quando King escrevia sob o pseudônimo de Richard Bachman. Em uma futura américa distópica, governada por um ditador militarista (meeeedo), a trama gira em torno de uma exaustiva (e potencialmente mortal) competição anual de caminhada.

É um bom livro, rápido, e tem muito da energia inicial (e sarcasmo político) de Stephen King. A Longa Marcha (The Long Walk), aliás, é o primeiro romance escrito pelo homem do Maine, iniciado entre 1966 e 1967 no primeiro ano de King na Universidade de Maine (oito anos antes de Carrie ser lançado).

O Concorrente

Outro livro assinado por Richard Bachman. O Concorrente (The Running Man) foi mais um livro de correria de King, onde Ben Richards precisa, no ano de 2025, participar de um reality show doentio (e existe algum que não seja?) para salvar a vida de sua filha. Para deixar o livro ainda mais “acelerado”, cada parte do livro começa em contagem regressiva. O mundo distópico apresenta alguma inovação para a época, e King novamente se mostra um narrador mais ágil e menos politicamente-correto comprometido. A adaptação contou com Arnold Schwarzenegger vestindo um colete amarelo e cenas de ação interessantes. Entretém, desde que você saiba ler (e assistir) nas entrelinhas.

O Homem do Cortador de Grama

“O Homem do Cortador de Grama” (“The Lawnmower Man”) é um conto curto no melhor estilo Stephen King. Na trama, um americano suburbano enfrenta problemas com sua grama do quintal depois que seu cortador acidentalmente matou um gato. Inadvertidamente, o sangue derramado “invocou” um estranho jardineiro e conferiu poderes especiais ao cortador de grama. O resultado (que chegou a ser adaptado para quadrinhos) é muito sangue, nojeira e rock and roll.

Já a adaptação para o cinema, intitulada O Passageiro do Futuro, não tem absolutamente nada a ver com o conto original, o que levou King a mover uma ação contra os produtores, para que eles pelo menos fizessem uma observação desse teor no filme. O longa metragem tem muito mais de ficção científica, o que não quer dizer que seja uma ótima expedição. Ainda assim, vale o passeio (os efeitos especiais são um bônus às avessas).

Tripulação de Esqueletos

A coletânea inclui “O Nevoeiro”, “A Excursão”, e “O Processador de Palavras dos Deuses”.

“O Nevoeiro” traz muito do universo Lovecraftiano, com monstros gigantes vindos de outra dimensão, xenofobia e aquele velho ranço religioso — que a gente adora. Neste caso, o filme é tão bom quanto o livro, então vale muito conhecer ou revisitar os dois. Também existe a série de 2017, menos aclamada, mas também vale a visita.

Em “A Excursão”, King flerta com teletransporte interplanetário e colonização do sistema solar, e claro que as coisas não saem exatamente como esperado (existe algum rumor de adaptação para o cinema, mas nada confirmado). 

“O Processador de Palavras dos Deuses” traz uma máquina de escrever que pode conceder os desejos escritos nas páginas. Conto divertidíssimo, que ainda conta com uma adaptação em curta: simples, mas excelente!

Fenda no Tempo

Em Fenda no Tempo (The Langoliers), um avião atravessa uma rachadura no tecido espaço-tempo e cai em uma espécie de limbo, um tempo morto e insosso que acabará por ser devorado por criaturas monstruosas chamadas Langoliers. Na longa adaptação para a TV (em 1995) uma cereja especial para os personagens que conseguem literalmente esgotar nossa paciência.

É um pouco longo e pode parecer entediante em certos momentos aos olhos modernos, mas vale a visita!

Jovem Outra Vez

Um dos segredos mais procurados das videolocadoras, Jovem Outra Vez (The Golden Years) era um daqueles títulos que você raramente encontrava por aqui (ou mesmo ouvia falar).  A minissérie de sete capítulos foi ao ar pela CBS em julho de 1991. Na trama da série, King mais uma vez lança um homem comum, o zelador Keith Szarabajka, em uma situação extraordinária, quando um laboratório super secreto do governo explode acidentalmente. Keith então começa a rejuvenescer, entre outros poderes bizarros. Para completar o plot, um agente assassino da CIA está no encalço de Keith, a fim de capturá-lo e transformá-lo em uma cobaia.

Se vale a pena? Lógico…

A Incendiária

Uma garotinha com a capacidade de gerar incêndios! Muito antes de Stranger Things aparecer no mapa, King se apropriava de supostos projetos de pesquisa do governo (leia-se Montauk) e criava Charlie McGee em A Incendiária (Firestarter). Os pais de Charlie participaram dos já citados projetos secretos, o que significa que injetaram algumas substâncias interessantes não aprovadas pela Anvisa em suas veias. O resultado que vale alguns milhões nas mãos dos militares? Charlie.

Tanto a obra original quanto a adaptação, Chamas da Vingança, são ótimos, e essa última ainda conta com Drew Barrymore no papel principal. 

A Zona Morta

Todos sabem que King ama um poder mental descontrolado, e nosso autor preferido usa e abusa dessa sorte em A Zona Morta (The Dead Zone). O livro é um pouco lento, carregado de referências políticas e sociais, mas no contexto atual elas dão um novo impulso à obra. A adaptação de 1983 para o cinema é uma das melhores já feitas, e conta com Chistopher Walken no papel do professor Johnny Smith, que se envolve em um acidente e acorda de um longo coma com espantosos poderes sensoriais. A grande missão e dilema de Johnny passam a ser matar o presidente dos Estados Unidos. Plot interessante…

O Apanhador de Sonhos

Mais uma vez, King decide explorar a vida alienígena. Na trama de O Apanhador de Sonhos (The Dreamcatcher) um grupo de amigos decide curtir o inverno no Maine, sem imaginar que seres de outros mundos poderiam ter a mesma ideia. Apesar da má fama entre alguns admiradores de King, acho o filme bem razoável, principalmente pela lendária cena do banheiro, onde um morador se vê obrigado e expelir (isso mesmo, expelir) um desses seres alienígenas. Bem ou mal, o filme cumpre seu papel, e nos traz uma possibilidade aterrorizante sobre visitas alienígenas. O livro é um pouco longo, mesmo para os padrões de Stephen King, mas a tríade real amizade/memória/horror faz o passeio valer a pena.

Celular

Em Celular (Cell), King volta a chegar mais perto do paizão George Romero, mas em vez de zumbis que comem carne e cérebro, as pessoas preferem morrer (e se matar) de raiva com seus celulares. O livro é bom, rápido, leva o terrorismo tecnológico às últimas consequências, já a adaptação, Conexão Mortal, deixa um pouco a desejar. Ainda assim, temos John Cusack e Samuel L. Jackson no elenco, o que nos recompensa por qualquer ponto negativo do filme. 

Sob a Redoma

Se A Torre Negra foi a tentativa de King em homenagear Tolkien, Sob a Redoma segue a mesma linha em reação ao Senhor das Moscas. A diferença é que estamos falando de Stephen King, então, em vez de prender um grupo de meninos em uma ilha, ele aprisiona uma cidade inteira em… bem… uma redoma. O livro é um tijolaço, mas pra variar King nos recompensa com narrativa ágil e personagens únicos. Diferente da série de TV (que se perde lindamente a ponto de ser cancelada), o livro nos leva pela mão até o fim do caminho. Esse não vou dizer do que se trata, mas é ficção científica sim. De boa qualidade.

Carrie e Revival

Nesses dois trabalhos, King mescla ficção científica, religião e dilemas sociais.

Carrie dispensa comentários, mas parece justo dizer que foi a adaptação de Brian De Palma que levou Stephen King às massas. Carrietta White é pressionada desde sempre pela mãe, pelos amigos, pela cidade inteira. Quando Carrie explode e libera seus poderes mentais advinha só quem explode junto? Acertou quem respondeu TODO MUNDO!

Em Revival, King flerta com a história de Frankenstein, mas no final das contas reconhecemos elementos de Lovecraft, Clive Barker e muito do próprio King do passado. É um livro super rápido, interessante, com personagens viciantes.

It

O palhaço Pennywise se atualizou no cinema e continua dividindo opiniões. Se por um lado ele veio do espaço, por outro matou como um animal selvagem terrestre e nos assustou como um demônio. Se por um lado livro e adaptações emergiram como legítimas obras de horror, por outro o surgimento de Pennywise nos lança de volta à ficção científica. No final, chegamos a amarga conclusão sobre essa obra de arte e tantas outras escritas pela caneta mágica do rei do Maine: quem se importa? 

*

Um dos grandes representantes e pais da ficção científica como conhecemos hoje foi H.G. Wells, principalmente através de sua obra A Máquina do Tempo, que chega repaginada aos lares macabros com todo o trabalho especial da DarkSide Books. O livro já se encontra em pré-venda, e pode ser adquirido no site da editora.

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Autor e tradutor, Cesar Bravo nasceu em 1977, em Monte Alto, São Paulo, e há mais de uma década dá voz à relação visceral com a literatura. É autor de romances, contos, enredos, roteiros e blogs. Sua escrita afiada ilumina os becos mais escuros da psique humana. Pela DarkSide® Book, Cesar Bravo já publicou Ultra Carnem, VHS: Verdadeiras Histórias de Sangue. DVD: Devoção Verdadeira a D., e organizou a Antologia Dark.