Como as mudanças climáticas criam e alteram monstros

Enquanto a terra muda, monstros reais e imaginários saem rastejando da escuridão.

* Traduzido e adaptado de How Climate Change Inspires Monsters, de Atlas Obscura.

Assim que a primavera se transformou em verão em 1816, algo muito estranho aconteceu. Os meses se passaram — abril, maio, junho, julho — mas o verão se recusou a aparecer. Em maio, o leste dos Estados Unidos estava atormentado pela geada, que matava colheitas. Em julho, o norte do estado de Nova York estava tão frio que tudo se negou a crescer. Em agosto, havia geada novamente até o sul da Virgínia. Através do Atlântico, colheitas falharam da Grã-Bretanha até a Irlanda. Mesmo mais longe, na China, Índia, Japão e Rússia, o cultivo estava estragado, búfalos-asiáticos morreram, e chuvas torrenciais causaram inundações fatais.

Afinal, o verão apareceu — um ano atrasado. O “ano sem verão” trouxe consigo estragos e devastação, mas trouxe também algo mais inesperado como legado: monstros.

Greifswald in Moonlight, 1817, de Caspar David Friedrich. Conforme afirma Zachary Hubbard em seu artigo Paintings in the Year Without a Summer, mesmo pinturas posteriores ainda traziam um céu escuro e encoberto

Os escritores Mary Shelley, Percy Bysshe Shelley, Lord Byron e John William Polidori estavam em uma viagem com amigos em uma vila com vista para o Lago de Genebra, na Suíça. Em suas assim chamadas “férias de verão”, sem dúvida se perguntaram se o Sol iria brilhar algum dia novamente.

Eles se sentaram dentro de casa, aparentemente iluminados somente por uma vela bruxuleante, e assistiram os relâmpagos através da superfície do lago. Lord Byron, diz-se, sugeriu o que aconteceu a seguir: uma competição, para escrever a história de fantasmas mais assustadora que eles pudessem. Esse jogo resultou em duas das mais icônicas histórias de terror já escritas: Frankenstein, de Mary Shelley, e “O Vampiro”, de Polidori. O último inspiraria o livro de Bram Stoker, Drácula. Páginas do manuscrito de Shelley estão atualmente em exposição na Biblioteca de Rosenbach, na Filadélfia, junto das anotações de Stoker para seu livro. Ambos apresentam estranhos eventos climáticos, e gelo, em quase todas as páginas.

Imagem da Biblioteca de Rosenbach

Não é difícil perceber como mudanças desse tipo podem se provar verdadeiras fontes de inspiração, a curadora do Rosenbach, Judy Guston, comentou com o site Earhert. “O Sol estava eclipsado pela escuridão, cultivos estavam morrendo, havia tempestades violentas e frio recorde por todos os lados. Pessoas deviam pensar que o mundo iria morrer.” Cientistas hoje pensam que o tempestuoso verão que influenciou essas duas obras foi causado por uma erupção vulcânica milhares de quilômetros do Lago de Genebra, na Indonésia.

Em abril de 1815, o Monte Tambora jorrou aproximadamente 40 milhas cúbicas de pó vulcânico, matando no mínimo 71 mil de pessoas. É descrito como uma das mais mortais erupções vulcânicas registrada na história. Essa erupção provocou um evento climático com toneladas de enxofre injetadas na atmosfera. Isso, por sua vez, formou um tipo de véu de sulfato, pulverizando o ar como se fosse uma gigante lata de aerosol. Sob esse véu invisível, o clima da terra ficou maluco. Mas no chão, bem distante da Indonésia, ninguém sabia o que aconteceu — através do mundo, milhões de pessoas acordaram, dia após dia, e aguardaram um verão que não iria chegar tão cedo.

Enquanto a terra muda, monstros reais e imaginários saem rastejando da escuridão. Alguns, como o Godzilla, são ficcionais. Outros, como uma explosão do que se parecem águas-vivas imortais, são reais. Mesmo nossos mais populares criptídeos serão forçados a mudarem suas vidas, com o clima mais quente se forçando sobre seus covis. Se o Lago Ness secar, seu monstro não terá lugar para viver. Quando a neve derreter, o Pé Grande e o Yeti terão que empacotar suas coisas das cavernas e descer as montanhas.

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Devagar, a ficção e o cinema estão começando a desenhar um apocalipse de mudança climática. Os roteiristas Lucy Alibar e Benh Zeitlin, em seu filme de 2012 Indomável Sonhadora, imaginaram bois selvagens pré-históricos correndo através de um mundo aquecido. O supervilão, claro, são as mudanças climáticas — mas dar um nome, um rosto, e um lar, pode nos ajudar a lembrar por que queremos manter isso afastado.

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Acordo cedo todos os dias para passar o café e regar minhas plantas na fazenda. Aprecio o lado obscuro da arte e renovo meus pactos diariamente ao assistir filmes de terror. MACABRA™ - FEAR IS NATURAL.