Muitos diretores do terror sabem aproveitar muito bem o uso das cores para criar atmosferas assombrosas. Tem o John Carpenter, o Stuart Gordon, o Don Cascarelli, mas há um nome que se destaca neste quesito: Dario Argento.
O diretor italiano pode até ter vários títulos duvidosos em sua filmografia, mas é inquestionável a dedicação dele ao emprego das cores em boa parte de suas produções. Seja por meio do design de produção ou da fotografia, a coloração saturada e vibrante empregada por ele vai além de simplesmente criar um clima macabro.
Em várias obras dirigidas por Argento as cores têm um papel crucial: imprimir ainda mais drama e terror ao que se vê, envolvendo as entranhas de quem assiste. Isso está presente principalmente pelo uso do vermelho ao longo de sua carreira por trás das câmeras, desde a década de 1970 com Prelúdio Para Matar até suas produções mais recentes, como Síndrome Mortal e Insônia.
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Mas nenhuma obra de Dario Argento fez um uso tão expressivo das cores como o macabro Suspiria, de 1977. O diretor parece ter reunido o medo e o horror das pessoas e ter jogado em um caleidoscópio orquestrado pelas cores primárias: azul, amarelo e, claro, muito vermelho!
As principais referências visuais de Suspiria
Para orquestrar este conto de fadas desgraçador, Dario Argento buscou inspiração no Expressionismo Alemão, em animações da Disney e no Giallo italiano. Acrescente isso à vibe psicodélica dos anos 1970 e temos um filme que impressiona audiências mesmo mais de 40 anos após o seu lançamento.
O próprio Argento admite que o Expressionismo Alemão é uma influência direta em seu trabalho, principalmente o filme O Gabinete do Dr. Caligari: “Em Suspiria eu me inspirei em tudo o que o Expressionismo Alemão representa: sonhos, provocações, irrealidade e psicanálise”.
Para entender um pouco melhor o que isso significa, é preciso compreender a importância que esta escola de cinema dava à cinematografia e ao Mise-en-scène (disposição do cenário). Os filmes expressionistas valorizavam os contrastes profundos entre luz e sombra e davam vez aos cenários extremamente estilizados e artificiais, que interagiam graficamente com os estados psicológicos das personagens.
Apesar de pertencerem à era dos filmes em preto e branco, as produções expressionistas não se furtavam desta manipulação de luz e sombra. Com a vantagem das cores, Dario Argento também cria cenários em que as cores têm um papel fundamental para expressar o estado mental de suas personagens.
Saindo desta influência tenebrosa, Argento buscou inspiração no clássico da Disney Branca de Neve e os Sete Anões, primeiro longa de animação do estúdio e que deu início a uma dinastia de contos de fada no cinema. O diretor pediu a Luciano Tavoli, o diretor de fotografia, que observasse o uso do Technicolor no filme, que conferiu cores vibrantes ao longa, exatamente o efeito que Argento queria para Suspiria.
Além destas referências, a produção também se inspira na vibração de cores e no gore perturbador que o diretor italiano Mario Brava conferiu a Seis Mulheres para o Assassino, de 1964. Os filmes de Brava se enquadram no subgênero italiano Giallo, que envolvia literatura e cinema de suspense e romance policial. Brava inaugurou os filmes Giallo e tem em Dario Argento seu mais fiel discípulo.
O uso das cores em Suspiria
Depois de conhecer as referências, vamos entender um pouco melhor o que Argento e Tovoli fizeram ali com as cores e porque isso nos perturba até hoje. Assim como o Expressionismo Alemão se aproveitava dos contrastes entre luz e sombra, Argento utiliza as cores para representar a dicotomia de calmaria e caos.
Na próxima vez que você assistir ao filme, observe as cenas à luz do dia: elas oferecem um ambiente de lógica e segurança, permeado pelos tons pastéis e pela falta de brilho. Porém, este equilíbrio é drasticamente alterado conforme a escuridão traz consigo doses pesadas de angústia, terror e do sobrenatural.
Para corroborar com este contraste, Dario Argento argumenta que “um filme de terror traz à tona alguns dos medos mais ancestrais que nós enterramos, e Suspiria não teria a mesma função catártica se eu tivesse utilizado a integridade e a doçura consoladora do espectro completo de cores”.
A afirmação de Argento explica também a sua escolha em valorizar as cores primárias. No filme, esta paleta pode ser dividida em três categorias principais: o mágico, a luz do dia e o monocromático. As duas primeiras são destacas pela presença das cores azul, vermelho e amarelo utilizadas simultaneamente ou alternadamente. Sua aplicação se dá naturalmente pelo design de produção, como na construção de cenários, ou por meio da saturação, para indicar a presença do sobrenatural. Já a paleta monocromática é utilizada em uma sequência específica para alertar sobre os perigos da magia sombria.
A escolha das três cores é proposital: “Para tornar Suspiria uma abstração total do que chamamos de ‘realidade cotidiana’, eu usei as tranquilizadores cores primárias na sua essência mais pura, tornando-as, imediatamente, surpreendentemente violentas e provocativas”, explica Argento.
Porém, o uso da cor não se limita aos propósitos dramáticos, apenas de alerta do mal. Trata-se de uma demonstração mais profunda, que ativa os medos mais sombrios da personagem e, claro, da audiência. Ou seja, o uso artificial e psicodélico das cores não tem apenas a função de alertar, ele se torna uma presença quase corpórea do perigo iminente, dispensando as próprias bruxas de cena.
Com Suspiria, Dario Argento se tornou referência no uso das cores em filmes de terror. Ele provou que o horror não acontece apenas no escuro, mas nos extremos que as cores podem alcançar a nas sensações que elas podem provocar. Através de seus filmes, elas deixam de ser meros recursos visuais e se tornam verdadeiros personagens – capazes de causar as mais íntimas aflições mesmo depois de décadas.
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