Rodrigo Gasparini tem uma mente muito macabra

O diretor de "O Diabo Mora Aqui" e "Loira do Banheiro" fala sobre produção de filmes de terror no Brasil e suas maiores inspirações como criador de histórias

Por Gabi Capello

Um grande amigo produtor e roteirista me disse uma vez que a gente faz três filmes: o que está no roteiro, o que é filmado no set e o que é montado na edição. Nunca entendi isso até dirigir meu primeiro curta. Com entrevistas não é muito diferente: tem a pauta que preparamos, o que a entrevista rende e como aquele material é organizado. No caso do Rodrigo Gasparini, diretor de O Diabo Mora Aqui, com exceção da pergunta “ainda pedem seu RG quando você compra bebida?”, que não tive coragem de fazer, o resto até que foi bem fiel ao que eu tinha pensado.

Com 30 anos e carinha de 17, Gasparini é uma das pessoas mais apaixonadas com quem já tive o prazer de trabalhar. Em um mundo cheio de projetos vendidos para canais e estúdios grandes, com dinheiro e equipes profissionais, mas filmados de forma protocolar, órfãos de alguém para lhes dar identidade, é um alento saber que tem gente como o Rodrigo por aí.

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O primeiro curta, John Feldman & a Moto, tem muito de John Hughes não só pelo estilo, mas pela própria maneira como foi feito: Rodrigo passou os quatro anos do curso de cinema fazendo pitching dele sem sucesso. Nas férias, pegou o equipamento que ninguém estava usando, se juntou com uma galera que não foi aprovada e começou a filmar à la outsiders de Clube dos Cinco.

Mas esse é o lance do Gasparini. Ele é um cara tão empolgado, que consegue passar isso pra equipe e motivar todo mundo pra trabalhar nos filmes dele — claro que o fato dos projetos serem muito bons também ajuda. Nessa conversa ele fala de seus filmes e inspirações, dá dicas preciosíssimas pra quem quer dirigir e encerra com 4 Conselhos Para Situações Aterrorizantes — porque a gente nunca sabe quando vai precisar. Ah, nessa entrevista você também vai descobrir como a encenação da Paixão de Cristo foi essencial para a realização de um dos projetos dele. Mas não vou dar spoiler.

Rodrigo Gasparini, diretor de filmes de terror

ENTREVISTA COM RODRIGO GASPARINI

  • Como você começou a fazer filmes e se envolveu com o Terror?

O primeiro livro que eu li na vida foi de vampiro, Os Sete, do André Vianco. Aí depois eu conheci a Anne Rice e devorei tudo. Então posso dizer que foi mais pela literatura que me meti no terror. Quanto a fazer filmes, tenho que agradecer à criança que eu fui. Meus pais trabalhavam feito uns doidos e eu ficava vendo filme de tudo o que é jeito, Sessão da Tarde, Band, TV fechada. De terror a filme de samurai — meu negócio era o movimento.

Meu background é de pós, After Effects. Na faculdade de Cinema todo mundo se ferrava na etapa da montagem. Apanhava do computador, nunca terminava um filme. Aí eu comprei um MAC, sofri pra aprender mas virei montador. Comecei a trabalhar em produtora e cresci lá dentro. Chegou um ponto em que toda a pós de uma série tava sendo feita na minha casa, eu tava resolvendo mó pica pros caras. Na época eu já tava na faculdade de Cinema com uma galera e pensei: por que não tamos fazendo isso pra gente? Aí criei minha produtora, a Urubu Filmes.

Começamos a fazer coisas e foi aparecendo gente. Quando fizemos o Nerd of the Dead, nos envolvemos com sangue pela primeira vez e pronto. Mas na faculdade nunca poderia imaginar que só ia fazer filme de terror. De lá pra cá foi um longo caminho. Fiz curtas, longa, viajei, ganhei prêmio. Sempre com pessoas muito talentosas, que sonham junto e têm orgulho do que fazem.

  • O curta Blondie (A Loira do Banheiro), que você dirigiu com o Dante Vescio, venceu o My RØDE Reel 2016 na categoria Melhor Terror, entre mais de 200 curtas de gênero de todo o mundo. E dá pra entender por quê. O filme impressiona em originalidade, concisão narrativa e efeitos especiais. De onde veio a ideia de filmar uma das lendas urbanas mais pop que existem?

Eu vi várias versões filmadas dela e achava tudo muito tosco. Aí um dia parei de falar mal e decidi fazer algo a respeito. Se eu não concordo, vou propor uma coisa diferente. Decidi investir, ir lá e meter a cara. Juntei uma grana e, antes de qualquer coisa, quis garantir a locação. Filmei na escola em que estudei. Depois que consegui isso, o segundo passo foi o concept de A Loira do Banheiro. Queria algo bem Lovecraft, terror cósmico. Sabia que ela não ia ter corpo, que não seria uma menina de branco que iria correr atrás de você. Isso era tudo o que eu odiava! Queria que ela fosse uma entidade foda. Chamou, morreu!

Rodrigo Gasparini, diretor de filmes de terror

  • Saber que esse curta custou só 9 mil é de deixar qualquer um mais chocado que as vítimas da Loira. Isso é uma característica de todos os seus filmes: eles parecem muito mais caros do que de fato custaram.

Os efeitos são do Marcelo Pascoa, pintor, escultor e um dos principais nomes de impressão 3D no Brasil. Foi ele que fez o concept da Loira. Foram só 10 pessoas entre equipe e atores, sem ganhar nada, e realmente a gente garantiu algo que, de fato, precisaria de muito mais dinheiro. Mas vira uma realidade. Tem loucura e pé no chão ao mesmo tempo. Depois que ganhei o prêmio, pude pagar todo mundo.

  • Em 2017 você e o Dante dirigiram o Children of the Cosmos, curta pra uma competição muito legal, a NASA/ CineSpace 2017. São pouco mais de 5 minutos visualmente incríveis e quando você se toca do que está acontecendo é… Clica aqui para assistir. Como vocês descobriram essa competição? E os efeitos, como fizeram?

Eu procuro competição e entro. Tipo essa da NASA. Eu tava com vontade de fazer algo para além do terror, mas ainda no universo fantástico. Amo Carl Sagan, fizemos muita pesquisa, fomos na USP falar com astrônomo e tudo. A roupa dos astronautas foram feitas em uma impressora 3D.

Queria fazer algo como nos anos 30, sem chroma. Aí gravamos contra o veludo preto. Só que a gente tinha que erguer os atores, mas não tínhamos dinheiro. Conheci um cara que todo ano fazia A Paixão de Cristo e conseguia erguer Jesus no esquema alpinista de uma maneira fácil de apagar no After Effects depois. Aí a gente prendeu os astronautas no teto com argola, o cara tinha alvará pra isso, era qualificado pra erguer pessoas. A pós foi um inferno, são 80 planos e todos têm efeito e cabo pra apagar. Mas a minha regra é: começou a fazer, o filme não vai cair. Vai ter que sair de qualquer jeito.

  • O curta M is for Mailbox entrou para o ABC’s of Death 2.5, seleção dos melhores curtas entre os mais de 500 que se inscreveram para O ABC da Morte 2. Da primeira palavra no roteiro para o filme pronto foram apenas 3 meses. Conta um pouco dessa experiência.

Eu e o Dante Vescio somos muito cinéfilos. Ficamos amigos na faculdade porque ele falava de uns filmes desconhecidos que só eu tinha visto. A gente sabia que um dia tinha que fazer um filme de terror junto. Aí rolou o M is for Mailbox, nossa primeira colaboração. O curta causou muito na gringa. Ficou em terceiro para “O ABC da Morte 2”.

Desde o John Feldman & a Moto entendi que o filme não é mais do diretor. É do elenco, da equipe, vira de todo mundo. No M is for Mailbox tive um exemplo muito bonito disso com o Ênio Gonçalves. Ele estava muito doente, mas queria fazer o filme e os médicos falaram pra deixar ele ir. Ele queria atuar, estava fazendo bem pra ele. E ele foi pro set saído direto do hospital pra fazer o filme de um moleque de 23 anos. Olha que força. E profissionalismo também. A gente mudou o roteiro todo porque ele não conseguia levantar, só podia atuar sentado. Foi o último filme dele. Ele me deu um presente. E uma puta lição de vida.

Rodrigo Gasparini, diretor de filmes de terror

  • Com a repercussão do M is for Mailbox você e o Dante entraram em contato com uma galera bem legal do gênero. E foram chamados pra dirigir o primeiro longa, O Diabo Mora Aqui, que foi pra Sitges e de lá emendou vários festivais, ganhando Melhor Diretor no New Orleans Horror Film Festival e Melhor Filme Estrangeiro no FilmQuest (festival que você só inscreveu por causa da logo Lovecraftiana). Isso foi essencial pro filme estrear em algumas capitais do Brasil. Tudo isso aos… 26 aninhos.

Eu cheguei no set com uma barba de meses pra não ser zoado. No último dia de filmagem cortei a barba e geral me chamou de estagiário. Não é tão difícil fazer um longa. As pessoas têm muito medo, imortalizam os longas, colocam num pedestal. Um curta termina rápido, a gente filma em dois dias, nem sobra tanto tempo pra aprender. Mas numa filmagem que dura duas semanas, lá pelo dia 5 você já tá reparando em coisas e pode ir melhorando durante o processo.

Foi uma filmagem rápida e sofrida, uma experiência muito intensa em que muitas coisas que pensamos pro projeto acabaram não acontecendo. Mas aprendi que um filme é uma coisa viva. Se você vai pro set tentando engessar a realidade para caber no que você fez quando estava na sua casa de boa, ferrou. Você não vai ver todas as coisas fodas acontecendo. Pelo menos é assim que eu encaro produções de baixo orçamento. Os atores e equipe têm imprevistos, coisas não acontecem, tem cansaço, mau humor. Se você não usar essa energia pro filme, se não estiver aberto, vai perder tudo. Vai ter um monte de coisa acontecendo e você vai tá lá bitolado na sua folha que não significa mais nada. Tá no set, tem que fazer acontecer.

  • Character design é uma coisa super importante em filmes de gênero, mas também é exatamente onde muitos pecam. Você sempre teve esse cuidado nos seus filmes e com o antagonista de O Diabo Mora Aqui não foi diferente.

A ideia original do filme era urbana. Mas no desenvolver da história, o roteirista, Rafael Baliú, tava trabalhando com o Guilherme Aranha, que tinha uma fazenda colonial em que eles sempre passavam a virada do ano. Aí o Rafael levou a história pra lá. A gente queria fazer nosso Evil Dead, só que mais psicológico por questões orçamentárias. Aí criou-se esse vilão, o Barão do Mel. A ideia pro character design dele surgiu de um quadro que vimos na internet, uma gravura europeia que tinha uma figura com aquela roupa. É um antagonista universal. Esse apiário poderia ser em um filme americano ou numa fazenda no Haiti.

Depois de 14 dias de filmagem eu saí destruído. Aí entrei numa livraria e fui comprar O Gabinete de Curiosidades, do Del Toro. O cuidado que ele tem com a caracterização, com os monstros dele, é impressionante. Você tem que respeitar a criatura. Sem isso, você vai fazer um filme de vampiro, por exemplo, e não vai dar certo dentro do universo que você se propôs a fazer.

Rodrigo Gasparini, diretor de filmes de terror

  • “Se você não ler, nunca se tornará um cineasta.” Você sempre levou essa frase do Herzog bem a sério. Seu repertório parece de alguém com o dobro da sua idade. Suas referências são as mais diversas, de música clássica a anime. Mas especificamente, em cinema, quem te inspira?

Sam Reimi. A vida dele. A maneira como ele fez Evil Dead. Um bando de moleque pensando “a gente consegue fazer isso”. E depois ainda refez com mais grana. Gláuber Rocha como referência “espiritual” — apesar dele não ter nada a ver com o gênero Terror, ele ia lá e fazia os filmes dele. Diretores produtores como Spielberg e Kubrick porque eles acreditavam nas historias que contavam e se metiam em enrascadas financeiras por conta disso. John Carpenter em termos de estilo. Até a trilha de A Loira do Banheiro foi inspirada nele. E o Del Toro. Lendo as coisas dele, comecei a me identificar muito. Por todo o carinho que ele tem com design, pelo lado dele estudioso e também pela coisa espiritual. Porque um filme é uma jornada espiritual, né? Estamos nela juntos. O filme vai mudar você. Cada filme termina com você sendo uma outra pessoa.

  • Dicas para quem quer fazer o primeiro filme de terror:

Vai lá e e faz. Seja pé no chão, mas não tenha medo. Muita gente vai duvidar, vai falar que não dá. Então não espere a aprovação de todo mundo o tempo todo. Junta uma galera que queira fazer junto contigo, gente com brilho no olho. Você não precisa ter formação. Estude muito, veja filmes, leia. Hoje em dia é tão mais fácil. Você não precisa filmar com a câmera mais foda — isso é fetichismo tecnológico. Grava com o que você conseguir. Vai la e faz acontecer. Se errar — e você vai errar — tem o direito. Erre de um jeito que só você erraria. E tente sempre terminar o filme. Não faz a equipe ir lá se ferrar durante dias, ainda mais sem grana, pra não terminar. Respeite a equipe, o filme e tenha um objetivo com ele depois. Porque fazer filme e nunca terminar, ou deixar dentro da gaveta, não rola. Filme é pros outros verem.

  • Tem algum projeto em vista?

Estou escrevendo meu próximo longa. Um projeto de sonho, um filme de terror que por enquanto só tem treze páginas mas que já sei que não terá um final feliz. E quero que todos os elementos de magia nele não sejam simplesmente jogados, mas que de fato tenham um significado. Pra mim, não importa se a a magia existe ou não. Se você vê um pentagrama e sente coisas, ela existe.

Rodrigo Gasparini, diretor de filmes de terror

Conselhos para 4 situações aterrorizantes:

  • Subir a escada ou sair pela porta da frente?

Eu seria muito o cara que ia brigar com todo mundo pra dar o fora de lá imediatamente, dirigir por 12 horas seguidas e ainda assim ficar noiado na hora de sair do carro.

  • Como driblar um apocalipse zumbi?

Ia fazer que nem num desenho que vi uma vez: cercar minha casa com esteiras e ficar olhando eles caindo da segurança da minha janela.

  • Achou um Necronomicon no porão. Abre?

Eu ia ser o idiota que iria abrir porque ficaria muito curioso. Aliás, tô lendo agora A Clavícula de Salomão, um livro de feitiços que dizem que um anjo desceu e deu pra Salomão. Tô lendo e pensando: “Lovecraft, seu safado! Agora sei de onde você tirou várias coisas geniais”. O mesmo com Neil Gaiman e Sandman. Eles liam muito, estudavam muito.

  • Como sobreviver ao atual momento do Audiovisual no Brasil?

Com muita fé!

Assista aos trailers
de Rodrigo Gasparini

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Publicado por

Gabi Capello

Testemunha ocular das balas Soft, das bonecos da Xuxa e do Fofão, e do especial de Halloween da "Punky Brewster”, Gabi Capello sobreviveu para contar a história (de preferência em formato de roteiro). Seu fascínio com o macabro começou quando parou de dormir com “A Hora do Pesadelo”. Até hoje tem insônia, mas quer acreditar que não esteja relacionado.