Alguns filmes têm o poder de adentrar no nosso imaginário e fincar suas garras em nossas mentes e em nossos corações. Filmes que são capazes de alterar para sempre a percepção de cinema que temos, e que se tornam tão amados que, mesmo visto por pessoas de vinte, trinta ou sessenta anos depois de lançados, ainda são considerados obras-primas. Dentre os filmes de terror mais queridos entre todas as gerações, estão os filmes dos Monstros da Universal.
Falar da história dos Monstros da Universal é falar sobre um capítulo importante da história do cinema, que envolve disputas entre diretores, atores e estúdios, e uma consciência de mercado muito interessante. Foi, de certa forma, o primeiro grande momento em que o terror esteve em alta. Dentre os filmes mais assistidos no início dos anos 1930, estavam lá Drácula, Frankenstein e até mesmo A Múmia. Quando pensamos nesses personagens, provavelmente são essas versões deles que visualizamos.

Ao todo, a franquia contou com 41 filmes ao longo dos 26 anos que compõem seu período oficial, entre 1931 e 1956. Antes do primeiro filme em 1931, entretanto, outros filmes que flertavam com os elementos de terror já haviam sido desenvolvidos pelo estúdio.

Tudo começou com Carl Laemmle. Nascido em 1867, na Alemanha, se mudou para os Estados Unidos em 1884. Em Chicago, Laemmle começou a comprar alguns cinemas. Resistindo às patentes das produções da Edison Studios, o estúdio de filmes de Thomas Edison, Laemmle resolveu começar a produzir os filmes para que pudesse manter seus cinemas funcionando. A Universal Studios, criada em 1912 e inicialmente chamada Independent Moving Pictures Company (IMP), depois renomeada Universal Film Manufacturing Company, é a mais antiga companhia no mercado de produção de filmes em atividade ainda hoje. Na época, entretanto, o estúdio não era considerado um dos grandes de Hollywood, e estava entre dois outros estúdios pequenos: a Columbia Pictures e a United Artists.
O primeiro grande nome da Universal, King Baggot, foi contratado por Laemmle ainda no início da história do estúdio. De acordo com o livro A Pictorial History of Horror, de Denis Gifford, Baggot foi sondado por Laemmle já em 1910, depois de uma turnê de teatro bem sucedida. Baggot é considerado a primeira “estrela do personagem”, pois tinha um enorme domínio de suas maquiagens, vindo da tradição de que os atores trabalhavam em suas próprias maquiagens. Em um filme chamado Shadows, de 1914, Baggot interpretou todos os personagens.

A Universal investiu pesado em suas estrelas, e trouxe grandes nomes para o estúdio no período proto-Monstros — de certa forma, um aquecimento para o que viria à tona nos anos 1930. Além de Baggot, outro nome importante contratado em 1912, que fez um retorno triunfal em 1923, foi Lon Chaney, o homem das mil faces. Chaney é um dos atores mais conhecidos do período, graças ao seu trabalho com as maquiagens. Na época, o chefe da produção executiva da Universal era Irving Thalberg, e juntos eles realizaram um dos grandes filmes dos anos 1920: O Corcunda de Notre Dame, adaptação do romance de Victor Hugo.

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O filme foi um sucesso, considerado impressionante de diversas formas, mas principalmente pelo trabalho corporal e de maquiagem de Chaney. Thalberg, ao deixar a Universal e ir para o estúdio concorrente MGM, acabou levando Chaney consigo para um contrato bastante longo, que fez Laemmle ter que procurar outras estrelas para suas peripécias ousadas em tela.
Tentando se aproveitar do sucesso de O Corcunda, Laemmle gostaria de realizar os feitos novamente, e trouxe Lon Chaney de volta para outro trabalho adaptado dos livros franceses. Dessa vez, o escolhido foi O Fantasma da Ópera, de Gaston Leroux. O filme foi lançado em 1925, e foi outro sucesso graças à maquiagem de Chaney: a revelação de seu rosto quase cadavérico ao retirar a máscara do Fantasma, fez com que fosse uma das revelações mais chocantes do período.

Ao se voltar pela terceira vez aos livros franceses, entretanto, Laemmle não conseguiu trazer Lon Chaney de volta para a Universal — a MGM não o liberou uma segunda vez. Então, Laemmle procurou em sua própria terra natal para encontrar um ator que tivesse uma figura tão impressionante em cena quanto Chaney. E quem ele encontrou não decepcionou.
Conrad Veidt havia sido a grande estrela do filme alemão O Gabinete do Dr. Caligari, que estreou nos Estados Unidos em 1921 e, de acordo com o livro de Gifford, foi o primeiro filme de terror a ser levado tão a sério pelos críticos. Ainda hoje é considerada uma das obras seminais para compreender a história dos filmes de terror. Veidt era o cara certo para os planos de Laemmle, que envolviam novamente uma obra de Victor Hugo.

Dessa vez, o livro utilizado para adaptação foi O Homem que Ri, obra menos conhecida que O Corcunda de Notre Dame, mas que acabou ganhando a atenção dos fãs de terror — principalmente várias décadas mais tarde, quando seu personagem principal, aquele interpretado por Veidt, se tornou a base para a construção de um dos maiores inimigos do Batman: o Coringa. O filme foi lançado em 1928 e, apesar de seu considerável sucesso, muitas coisas estavam prestes a mudar naquele ano.
O ano de 1928 não marcou somente a entrada de Veidt na Universal, como marcou também uma das grandes inovações do cinema. Quando falamos da história do cinema, devemos também pensar na história da tecnologia que se altera de forma surpreendentemente rápida, principalmente ao longo do século XX. Até 1928, a única opção para se fazer filmes, eram os filmes mudos. A era muda do cinema foi uma parte importante, foi o início de tudo. Mas quando surgiu a possibilidade de que os atores começassem a falar nos filmes, as coisas se tornaram um pouco mais complicadas.
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Com o som, os fãs queriam ouvir as vozes de seus ídolos. A maioria deles, entretanto, preferia se manter distante dos microfones e não aceitou a mudança muito bem. Chaney era um dos que estava pronto para seguir adiante em seus filmes de terror, com sua maquiagem ousada e fazendo truques com a voz, mas em agosto de 1930, infelizmente, sua vida chegou a fim devido a um câncer.
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O primeiro filme do gênero a ter som foi O Terror, de 1928, da Warner Bros. Entre 1928 e 1930, aproveitando o sucesso dos filmes com som, alguns filmes foram refeitos por seus estúdios. A Universal foi uma das produtoras que resolveu apostar em refilmagens. Um desses filmes foi O Gato e o Canário, de 1927. A MGM, nessa mesma leva de refilmagem, apostou em alguns títulos também, e entre eles estava The Thirteenth Chair, cuja versão muda de 1919 havia tido uma atenção considerável. O responsável pela direção era Tod Browning, e dentre os atores do elenco estava o húngaro Bela Lugosi.
The Thirteenth Chair, agora com som, não foi uma boa aposta. O filme não teve o apelo ou o cuidado do anterior, e não foi considerado entre os grandes filmes do período. Browning deixou a MGM para a Universal, onde já tinha trabalhado anos antes, e é aqui que a história dos Monstros da Universal realmente começa.

Drácula foi o primeiro grande filme da franquia dos Monstros. A peça, adaptada do livro de Bram Stoker, foi comprada pelo estúdio devido ao sucesso gigantesco quando foi exibida nos palcos dos teatros dos Estados Unidos em 1927, vindo de uma temporada da Inglaterra em 1924, autorizada pela própria Florence Stoker, adaptada para os palcos por Hamilton Deane. Nos Estados Unidos, foi adquirida por Horace Liveright, que contratou John L. Balderston para revisar o trabalho de Deane. Alguns anos depois, seus direitos foram comprados pela Universal.
Browning vinha trabalhando na adaptação da peça para o cinema desde meados de 1930, com Chaney na cabeça para o papel de Conde Drácula, até que seu falecimento pegou a todos de surpresa. Então quando procurou alguém na Broadway que pudesse substituí-lo, encontrou um rosto familiar com quem já tinha trabalhado. Bela Lugosi, de The Thirteenth Chair, havia sido o Conde Drácula no sucesso da Broadway.
No período, Carl Laemmle Jr. havia assumido o controle do estúdio de seu pai, que viria a falecer dali a quatro anos. Um filme que era uma aposta às escuras se tornou um dos maiores sucessos de bilheteria do estúdio até então. Bela Lugosi, com seu sotaque estrangeiro e seu olhar hipnotizante chamou a atenção da crítica e do público. O sucesso foi tanto que, em uma atitude ousada, tentando atingir outros públicos e quebrar a barreira da língua, a Universal investiu em uma segunda versão de Drácula, dessa vez em espanhol, dirigida por George Melford, com Carlos Villarías.
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Apesar de até então ninguém ter definido esses filmes com os termos que lhe eram de direito, a Universal deu o pontapé inicial afirmando que estava pronta para investir em seu segundo filme de terror.
Em fevereiro de 1930, uma adaptação do livro Frankenstein, de Mary Shelley, chegou aos palcos dos teatros londrinos pelas mãos de Peggy Webling, dramaturga, poeta e romancista britânica. Hamilton Deane, que adaptou Drácula alguns anos antes e cumpriu o papel do Conde nos teatros da Grã-Bretanha, acabou interpretando também a Criatura de Frankenstein na adaptação de Webling. Parecia perfeito para os planos de Laemmle Jr. Os direitos de adaptação foram adquiridos através de um acordo com a Gaumont-British, e Balderston foi chamado para adaptar a peça inglesa para o filme norte-americano. Testes foram feitos com Bela Lugosi como a Criatura, e a intenção era que um diretor novo, chamado Robert Florey, dirigisse.
Os testes se saíram mal. Nem Lugosi, nem Florey nem Laemmle queriam trabalhar no filme, e começaram a pensar em alguma adaptação de Edgar Allan Poe. Até que o diretor inglês James Whale, que havia impressionado Laemmle com seu trabalho anterior, o filme A Ponte de Waterloo, de 1931, escolheu trabalhar com Frankenstein — entre outras duas opções de obras a serem filmadas.

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A escolha de Boris Karloff para o papel de Criatura de Frankenstein foi um pouco aleatória. Whale procurou pela multidão e o rosto de Karloff o atraiu. O ator havia trabalhado anteriormente no estúdio no filme Suborno, de 1931. O diretor havia sido cartunista, e logo começou a desenhar como gostaria que fosse o rosto da Criatura. O design completo foi feito por Jack P. Pierce, que pesquisou com cuidado assuntos como anatomia, cirurgia, criminologia e antigos e modernos métodos de sepultamento. Todos os cortes e parafusos e formas da cabeça moldada para Karloff tinham um significado para Pierce — principalmente os dois parafusos em seu pescoço. Para ele, A Criatura era um instrumento elétrico, de onde provinha sua força vital. Completa, toda a maquiagem e os acessórios de Karloff como Criatura pesavam cerca de 21 quilos.
Os estúdios ficaram um pouco preocupados com esse início de década, mas já era tarde demais: a “monstermania” havia começado e entrado com tudo nos lares das famílias norte-americanas. Os primeiros grandes filmes dos Monstros da Universal, depois de Drácula e Frankenstein, foram A Múmia (1932), O Homem Invisível (1933), e A Noiva de Frankenstein (1935).
Durante esses quatro anos, outros filmes de terror foram lançados pelo estúdio, como A Ilha das Almas Selvagens (1932); o remake de O Gato e o Canário (1933); três adaptações de Edgar Allan Poe, Os Assassinatos da Rua Morgue (1932), O Gato Preto (1934) e O Corvo (1935); e A Casa Sinistra (1932). Em sua maioria, os filmes foram protagonizados por Bela Lugosi e Boris Karloff e, com exceção de A Casa Sinistra, todos são considerados como filmes da franquia dos Monstros.
Passado esse primeiro momento de apresentações de monstros ao público e outros filmes sinistros, a Universal começou a investir em continuações. Surgiram os filmes A Filha de Drácula (1936), O Filho de Frankenstein (1939) e A Volta do Homem Invisível (1940), entre outros.

Em 1941, o filho de Lon Chaney, Lon Chaney Jr., surge nas telas da Universal no papel de Lawrence Talbot, no filme O Lobisomem. A Universal já tinha lançado um filme sobre lobisomens na década anterior, chamado O Lobisomem de Londres (1935) mas, quando pensamos em um lobisomem dos Monstros da Universal, e quando pensamos nas sequências de filmes, é a imagem de Lon Chaney Jr. que nos vem à cabeça.
A década de 1940 passou quase sem nenhuma adição ao rol de monstros, com a exceção de um novo filme para O Fantasma da Ópera, lançado em 1943, que faz oficialmente parte dos Monstros da Universal, apesar de não chamar tanta a atenção quanto seu antecessor, o sucesso de Lon Chaney. Dirigido por Arthur Lubin, essa versão conta com Claude Rains no papel de Fantasma.

O último grande respiro de um monstro original para a coleção da Universal surgiu em 1954, com O Monstro da Lagoa Negra. Dirigido por Jack Arnold, o filme foi um dos quatro últimos a integrar os filmes oficiais da franquia, seguido por A Revanche do Monstro (1955), Caçando Múmias no Egito (1955) e À Caça do Monstro (1956). Foi também a última grande criação visual em termos de monstros que a Universal criou para seus filmes. O design de Milicent Patrick para a face de Gillman, o monstro, se tornou uma das grandes peças de Hollywood.
Mesmo com o encerramento da franquia, ainda hoje a Universal produz alguns dos filmes de gênero mais importantes dos nossos tempos. Ainda hoje, tentam trazer de volta a comoção que os Monstros causaram em sua Era de Ouro.
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O sucesso dos Monstros da Universal não pode ser demonstrado apenas através de todos os anos que ficaram na ativa, ou na quantidade de filmes lançados, mas também na forma como essas criaturas adentraram no imaginário popular. Por anos, essas imagens construídas nas primeiras décadas da história do cinema permanecem firmes em nossa memória quando pensamos em Drácula ou Frankenstein, ou quando imaginamos algum grande monstro. O trabalho de marketing da Universal no período também foi enorme: fantasias de halloween, brinquedos, máscaras, que continuam sendo vendidas quase um século depois do primeiro filme ser lançado.
Muitos diretores e autores do gênero mencionam com carinho os Monstros da Universal quando falam sobre seus primeiros contatos com o terror.
Essas belas e terríveis criaturas ajudaram a colocar um rosto em nossos pesadelos ao longo de 90 anos. É a elas que devemos agradecer pelo terror que temos hoje.
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