Uma breve história dos zumbis no cinema

Por que zumbis? Como começou essa coisa de filmes de mortos-vivos? Saiba mais sobre a história dos zumbis no cinema de terror.

Grandes filmes que fizeram sucesso no início do século XX, principalmente na década de 1930 — como Drácula, Frankenstein, O Homem Invisível, O Fantasma da Ópera e até mesmo O Lobisomem, dos Estúdios Universal — vieram de uma tradição literária forte do século anterior. Um grande passo para o cinema, principalmente para o cinema de terror, esses filmes já tinham seus roteiros tecnicamente prontos, e eram histórias que o público poderia reconhecer.

Mas a década de 1930 também trouxe outro monstro à vida, que faria um sucesso surpreendente alguns anos depois: os zumbis.

A Noite dos Mortos-Vivos, 1968

Acredita-se que o primeiro longa-metragem de zumbis tenha sido Zumbi Branco, ou ainda Zumbi, A Legião dos Mortos, de 1932. Dirigido por Victor Halperin e adaptado do livro The Magic Island, de William B. Seabrook, o filme foi protagonizado por Bela Lugosi, Madge Bellamy e Joseph Cawthorn. Na história, um jovem procura um feiticeiro para que afaste a mulher que ama de seu noivo. Entretanto, as coisas escapam do controle, e acabam transformando a jovem em um tipo de escrava zumbi.

Zumbi Branco, 1932

Um pouco de contexto

É difícil falar da história dos zumbis no cinema sem nos voltarmos um minuto para a história do Haiti. Como conta a Dra. Robin R. Means Coleman em Horror Noire, livro com uma pesquisa impressionante sobre os negros no cinema de horror que foi usado como base para o documentário de mesmo nome, o Haiti foi um país que sempre enfrentou sérios problemas, graças a países colonizadores que tentaram se apossar do local. Primeiro com a Espanha, em seguida com a França e mais tarde com os Estados Unidos, para dar um panorama geral, o Haiti teve que lutar diversas vezes para manter sua liberdade — conquistada, todas as vezes, com muito custo e muito derramamento de sangue.

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Em uma dessas tentativas de dominação — mais especificamente com a França, nas duas primeiras décadas de 1820 —, uma parte dos moradores do pequeno país, com aproximadamente 27.750 km², teria buscado melhores condições de vida, tentando fugir dos horrores provocados pelos outros países, nas plantações de Nova Orleans, na Louisiana. 

Essa fuga, e essa quantidade de gente migrando de um país para outro, levou a um impacto cultural muito grande. Nova Orleans se tornou, por fim, atrelado a um tipo de noção exótica que os brancos tinham da religião haitiana, e o voodoo — grafado originalmente como vodou — começou a aparecer na rotina do local, logo sendo incorporada em histórias, mitos, crescendo cada vez mais na imaginação popular. Se você já leu alguns dos livros de Anne Rice, como A Hora das Bruxas, ou se teve contato com alguns filmes do chamado southern gothic, como A Chave Mestra ou Amores Divididos, deve ter uma vaga noção de como o vodu é visto — no primeiro, a partir da visão de um diretor branco, no segundo, tratado com mais respeito na visão de uma diretora negra.

A Morta-Viva, 1943

Mesmo com essa diminuição gritante da população do Haiti, o país continuou em uma luta ferrenha pela paz. Durante os anos de 1915 a 1934, o país esteve sob domínio dos Estados Unidos, o que trouxe mais guerras e mais sofrimento. Em 1932, o então presidente Roosevelt anunciou que, naquele momento, chegara ao fim o domínio da Marinha norte-americana no Haiti. 

E por que isso seria importante para falarmos de zumbis no cinema? Porque, basicamente, os zumbis foram importados das histórias haitianas. 

Em Horror Noire, a Dra. Coleman aponta outras histórias que já haviam utilizado o vodu como tema. Voodoo Fires, de 1913, ou Ghost of Twisted Oak, de 1915, e até o filme The Witching Eyes, de 1929: todos eles mencionam o vodu como um ritual exótico e estranho aos olhos brancos, mas nenhum deles atrela a figura do zumbi ao assunto. É somente em 1932, data que bate com a saída da Marinha norte-americana do Haiti, que é lançado um filme que menciona os zumbis quando o assunto é vodu. 

O livro que deu origem ao filme Zumbi Branco, The Magic Island, é um relato de viagem de seu autor, William Seabrook, que passou um tempo com a Marinha norte-americana na ocupação do Haiti e, afirma-se, viveu por dois anos com uma sacerdotisa vodu. 

Este não foi, é claro, o primeiro relato de viagem que interferiu fortemente na visão que os países ocidentais e com uma população de posses de maioria branca tinham sobre os países da África, da América Latina ou da região do Caribe. Durante todo o século XIX, histórias vindas de lugares distantes moldaram a imaginação de países brancos do Ocidente, transformando culturas diferentes como exóticas ou selvagens. Essas imagens acabaram penetrando também em histórias ficcionais, em diversos níveis diferentes  — de Jane Eyre às histórias de Haggard e Burroughs.

A autora Zora Neale Hurston

A palavra zumbi, em si, surgiu para a população branca por volta de 1872, a partir de um estudioso que registrou seu uso quando notou a frequente utilização do termo nos estados do sul dos Estados Unidos. De acordo com o pesquisador Aaron Mahnke, em seu livro O Mundo de Lore – Criaturas Estranhas, foi com Zora Neale Hurston, autora afro-americana, mais conhecida por seu livro Seus Olhos Viam Deus, que a história dos zumbis se tornou mais compreensível. Enquanto pesquisava o folclore haitiano, Hurston relata no livro Tell My Horse como encontrou um zumbi. Segundo ela, só acreditou na situação toda pois a viveu, e viu o caso de Felicia Felix-Mentor com os próprios olhos, ouvindo os ruídos de sua garganta. 

Mahnke relata também que haviam outras lendas sobre renascidos dos mortos em outros locais do mundo, como o revenant europeu, ou o Wiedergänger alemão. Entretanto, foi o relato das histórias do Haiti que levaram a criatura aos cinemas. Um conjunto de motivos levou aos zumbis haitianos fazerem tanto sucesso: esses relatos de viagem, unidos com a ideia exótica e selvagem que se tinha da população haitiana (e não branca, num geral), e a existência de parte dessa população vivendo nos Estados Unidos. Tudo isso se misturando ao apelo que mais fascina alguns dos amantes do terror: a morte, e o que há depois dela, e o retorno à vida — no caso dos zumbis, através de um tipo de magia de uma terra distante.

O sucesso nos cinemas

Depois de Zumbi Branco, alguns filmes sobre zumbis foram feitos entre os anos de 1930 e 1960, entre eles O Rei dos Zombies (1941), A Morta-Viva (1943) e Epidemia de Zumbis (1966). Mas, o grande destaque para os filmes de mortos-vivos surge somente em 1968, com o grande sucesso de George A. Romero: A Noite dos Mortos-Vivos.

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No filme, um grupo de sobreviventes se reúne em uma fazenda para tentar se livrar do perigo que se aproxima cada vez mais lá fora: uma horda de mortos-vivos prontos para atacar tudo que virem pela frente. Romero ainda trabalhou com a temática de zumbis por muito tempo, com os filmes  Despertar dos Mortos (1978), Dia dos Mortos (1985), Terra dos Mortos (2005), Diário dos Mortos (2007) e A Ilha dos Mortos (2009), construindo o que viria a ser conhecido como “série dos mortos”.

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Bem distante do zumbi haitiano, os zumbis de Romero passaram a ser vistos como metáforas e críticas de situações sociais, como a violência e o consumismo. Visões políticas e interpretações diversas passaram a fazer parte dos muitos filmes de zumbis que surgiram depois.

Durante os anos 1970, 1980 e 1990, mesmo que não apresentando filmes tão importantes como A Noite dos Mortos-Vivos, os filmes de zumbis continuaram a habitar as telas dos cinemas. Zumbis do Mal (1973), Pavor na Cidade dos Zumbis (1980), A Noite do Cometa (1984), A Volta dos Mortos Vivos (1985), o remake de A Noite dos Mortos-Vivos, lançado em 1990, e Fome Animal (1992) foram alguns dos mais importantes do período.

A Maldição dos Mortos-Vivos, 1988

Em 1988 nós vemos novamente os zumbis haitianos com A Maldição dos Mortos-Vivos, dirigido por Wes Craven e adaptado a partir do livro de 1985 de Wade Davis, The Serpent and the Rainbow: A Harvard Scientist’s Astonishing Journey into the Secret Societies of Haitian Voodoo, Zombies, and Magic. Em seu trabalho, a partir de suas pesquisas com a etnobotânica, Davis levantou hipóteses sobre como os curandeiros haitianos poderiam fazer zumbis. Seu trabalho, e a forma como foram conduzidas suas pesquisas, foram amplamente criticadas pela literatura especialista da área.

Apesar de nunca terem exatamente saído de moda, como nos mostra Extermínio, de 2002, o sucesso espanhol [Rec]. de 2007, ou as adaptações cinematográficas dos jogos de Resident Evil, é com o seriado The Walking Dead que as criaturas mortas-vivas ganham um novo fôlego.

Iniciada em 2010 e composta por 11 temporadas — com a última temporada sendo lançada em breve —, além de algumas séries derivadas pelo caminho, a série, adaptada a partir dos quadrinhos de mesmo nome de Robert Kirkman, acabou sendo um estouro. Sobrevivendo em grupo depois de uma praga assolar o mundo e transformar a maioria das pessoas em zumbis, protagonistas foram e vieram, mas a série permaneceu com uma audiência consistente durante esses 11 anos desde seu lançamento.

The Walking Dead, 2011 – 2022

As produções de zumbis fizeram o possível para subir de nível na década de 2010. Em 2013 chegou aos cinemas Guerra Mundial Z, dirigido por Marc Forster, baseado no livro de Max Brooks e protagonizado por Brad Pitt. Anos mais tarde, séries para TV e para serviços de streaming como Z Nation, Black Summer e Kingdom, seguem aumentando as expectativas das produções de mortos-vivos. Invasão Zumbi, filme sul-coreano lançado em 2016 e dirigido por Sang-ho Yeon foi um dos grandes sucessos dos últimos anos. Menos conhecido, mas tão interessante quanto, está Melanie – A Última Esperança, também lançado em 2016, dirigido por Colm McCarthy e adaptado do livro de Mike Carey.

Kingdom, 2019 –

Nesse meio tempo, entre um lançamento e outro, as comédias de terror com zumbis também encontraram seu lugar ao sol. Todo Mundo Quase Morto (2004), Seres Rastejantes (2006), Ovelha Negra (2006), Zumbilândia (2009), Meu Namorado é um Zumbi (2013) e Anna e o Apocalipse (2017) fizeram sucesso entre os fãs da mistura de gêneros.

Entre 2005 e 2021, mais de 165 filmes e séries sobre zumbis de diversas regiões foram lançados, de acordo com o site IMDb. Assumindo uma distância segura do zumbi haitiano, os zumbis foram transformados e modificados conforme as necessidades da indústria e de seus criadores; entre a comédia e o drama, sempre houve um pouquinho de cérebros e renascimento para todos. Um dos últimos lançamentos para os fãs de mortos-vivos foi Army of the Dead: Invasão em Las Vegas, de Zack Snyder, lançado em 2021 diretamente para a Netflix. 

Army of the Dead: Invasão em Las Vegas, 2021

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Não sabemos o que o futuro dos zumbis nos aguarda, mas estamos todos curiosos para descobrir. Gostou de saber um pouco mais sobre a história dos mortos-vivos? Comente este post com a Macabra no Twitter e Instagram.

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Acordo cedo todos os dias para passar o café e regar minhas plantas na fazenda. Aprecio o lado obscuro da arte e renovo meus pactos diariamente ao assistir filmes de terror. MACABRA™ - FEAR IS NATURAL.