O Pacto com o Diabo em sete acordos imortais

Fazer um pacto com o Diabo para alcançar fama e imortalidade é um caminho sem volta. Conheça sete pessoas que quiseram viver deliciosamente.

E se você pudesse conquistar toda a fama, a riqueza, o amor e a felicidade que desejasse? Todos os seus problemas e sonhos realizados em um passe de mágica, você só precisaria assinar um pacto, com seu sangue ou sua alma, e firmar um acordo com o Diabo. 

O pacto com o Diabo é um tema recorrente na literatura, no cinema e até mesmo na música. Realizar um pacto com o próprio Satã ou algum dos demônios sob seus domínios geralmente é uma troca: você oferece algo e recebe um favor. Fama, fortuna, imortalidade… tudo isso é alcançável, mas o preço é alto. Na maioria das vezes, o Diabo irá pedir sua alma em troca do que você deseja. Como em uma guerra entre o céu e o inferno para ver quem tem mais almas, pelo que sabemos das histórias de fulano que vendeu sua alma ao Diabo, o Pai da Mentira está ganhando descaradamente.

De acordo com as lendas, existem várias formas de firmar um pacto. Apesar da moeda de troca mais conhecida ser a alma, às vezes o Diabo também pode pedir algo mais… seu primogênito, seus serviços, outra parte de si.

Mas de onde isso surgiu? Como começaram essas suposições, de que o Diabo estaria tão interessado assim nas almas dos humanos que concederia desejos em troca?

É difícil traçar um marco zero de uma superstição. Muita coisa pode ter se perdido desde os tempos mais remotos, e muito da documentação que temos hoje pode conter datas ou descrições que não condizem exatamente com o momento que foram produzidas — ou então terem nascido de relatos orais que rodavam entre círculos desde muito antes de serem anotadas e guardadas para a posteridade.

Das Pontes do Diabo até as encruzilhadas muita coisa aconteceu. Mas podemos traçar uma linha do tempo de algumas histórias conhecidas para explicar como essa superstição foi passada para frente ao longo dos anos. 

Teófilo de Adana

Teófilo de Adana, ou Santo Teófilo, o Penitente, foi um sacerdote do século VI de Adana, na Cilícia — um território na Ásia Menor, que hoje é parte da Turquia —, e que ficou marcado como ser a primeira história de um pacto com o Diabo. Mas, por que um sacerdote faria um acordo com o inimigo do Senhor? Bom, para ter um lugar dentro da igreja. 

Conta-se que Teófilo era o arquidiácono de Adana, e foi escolhido por unanimidade para ser bispo. Na hierarquia da igreja católica, o arquidiácono está abaixo do bispo, e é relegado a ele o papel de tomar conta de uma parte da diocese. Mas, tão humilde que era, Teófilo recusou o convite e manteve sua posição como arquidiácono. Tudo mudou, porém, quando novo e mal intencionado bispo chegou à diocese e quis remover Teófilo de sua posição.

Teófilo se arrependeu de ter sido humilde, e procurou um necromante para ajudá-lo em sua vingança. O necromante estabeleceu o contato com Satã, que ordenou que Teófilo renunciasse a Cristo e a Virgem Maria, assinando o pacto com seu próprio sangue. Teófilo obedeceu.

Representação de Teófilo de Adana em Maastricht Hours

O problema é que Teófilo era um homem de Deus e temia pelas consequências de um pacto desses. Então, rezou para a Virgem Maria e passou 40 dias de jejum. Maria apareceu para ele e, depois de um belo sermão que, infelizmente, não ficou gravado na história, disse que intercederia para ele com Deus. Mais 30 dias de jejum e Maria apareceu novamente, dizendo que Teófilo estava absolvido. Mas o Diabo é ardiloso e não gosta de perder. No dia seguinte, Teófilo acordou com seu contrato em cima do peito. Aterrorizado, o levou até o bispo de direito, que queimou o contrato. Teófilo, então, morreu de alívio por ter seu contrato destruído.

A história de Teófilo ganhou importância principalmente entre os séculos XX e XIII, e muito pelo fato da Virgem Maria ter intercedido a seu favor. Sua história foi o tema de um poema de Gautier de Coincy, no século XII, que se tornou uma peça de Rutebeuf, no século XIII. Além disso, algumas esculturas e pinturas apresentam a lenda de Teófilo — uma delas, na França, é mencionada por Marcel Proust em seu livro No Caminho de Swann.

Fausto

Fausto e Mefistófeles, de Franz Xaver Simm

Acima de Teófilo de Adana, talvez esteja Fausto na categoria “personagens que fizeram pacto com o demônio, entraram para a cultura popular e ficaram famosos”. A lenda de Fausto já figurou entre músicas, livros, pinturas, filmes, e até serviu de referência para muitos outros pactos com o Diabo. Mas vamos do início. 

Johann Georg Faust, que viveu entre o século XV e XVI, foi um astrólogo, alquimista e mago itinerante na Renascença Germânica. Precisamos separar o Fausto histórico do Fausto personagem. O maior problema aqui é que, graças a sua história estar tão intrinsecamente ligada ao seu personagem, pouco se sabe sobre os acontecimentos reais da vida de Fausto. Por muito tempo até duvidou-se que sua figura histórica realmente existiu. Mas, há registo da passagem de Doutor Fausto por Gelnhausen, Bamberg, Ingolstadt, Nuremberg, Tubinga e Münster, entre outros. Nas duas primeiras, Fausto estava fazendo horóscopos; na terceira, Fausto foi expulso após algum tempo; e em Nuremberg Fausto nem entrou. Mas, a partir de Tubinga, a sorte parece ter melhorado, e o professor Joachim Camerarius afirmou que Fausto era um respeitável físico e astrólogo.

Fausto, de Rembrandt

O Fausto histórico morreu em uma explosão de um experimento alquímico, em 1540 ou 1541, em Staufen, na Alemanha. Mas é nesse ponto que nasce o Fausto personagem. Em 1587 é publicado um chapbook — livros curtos, semelhantes aos penny dreadfuls e aos zines, dadas as devidas proporções e contextos históricos —, intitulado Historia von D. Johann Fausten, de Johann Spies. Nele, os pecados de Fausto eram contados ao público. Ao ser traduzido pro inglês, chamou a atenção de Christopher Marlowe, que publicou o livro A Trágica História do Doutor Fausto, em 1589. Nele, Marlowe mostra um Fausto adepto da mágica renascentista. 

O livro de Marlowe retorna à Alemanha, enquanto o livro de Spies é reeditado e republicado no século XVIII sob o título de Faustbuch des Christlich Meynenden. É esta edição que Johann Wolfgang von Goethe lê quando jovem, e é ela quem o inspira a escrever Fausto, o poema trágico que narra a vida de um Doutor Fausto ficcional que encontra Mefistófeles.

Ilustração de Fausto e Mefistófeles, de Delacroix, para o poema de Goethe

É esse personagem, através das palavras de Goethe, que fica mais conhecido. Sua relação com Mefistófeles fez surgir uma incrível gama de trabalhos derivados — de peças de balé e óperas a personagens, de quadrinhos e animes. Sem dúvida, é a relação de Fausto e Mefistófeles que auxiliou a inserção do pacto com o Diabo na era moderna.

Urbain Grandier

Condenação de Urbain Grandier

Em alguns casos, o pacto com o Diabo está ligado diretamente à feitiçaria e bruxaria. A lenda de Papa Silvestre II, originalmente chamado Gerbert de Aurillac, que esteve responsável pela Igreja Católica na virada do século X para o século XI, conta que o cristão foi acusado de aprender bruxaria enquanto estudava matemática e astrologia. Gerbert, dizem as histórias, também possuía uma cabeça de bronze capaz de responder a algumas questões, resultado de um pacto entre ele e um demônio feminino chamado Meridiana. 

Apesar da história de Gerbet ser pouco conhecida e comentada fora dos círculos dos estudiosos, um outro sacerdote, supostamente um feiticeiro poderoso, foi acusado e morto graças a uma denúncia, e sua história foi difundida entre a literatura, o teatro e o cinema. Urbain Grandier, um padre católico de Loudun, na França, foi acusado de bruxaria e queimado em praça pública. 

Urbain Grandier

Em 1632, um grupo de freiras ursulinas denunciaram Grandier por bruxaria, afirmando que o padre havia enviado o demônio Asmodai, e alguns outros, para realizarem atos e maldades contra elas. Uma das explicações para a denúncia é de a Irmã Jeanne des Anges era obcecada por Grandier, e tendo sido rejeitada, utilizou essa arma para se vingar: destruindo sua reputação. Mas, a lenda sobre Grandier ser um trabalhador de Satã, permaneceu por aí.

Oliver Reed como Urbain Grandier no filme Os Demônios, de 1971

A história de Grandier é contada no livro Os Demônios de Loudun, de Aldous Huxley, e no filme Os Demônios, de 1971, dirigido por Ken Russell. Também foi tema de músicas de bandas, como Elvenking e Morbid Angel, e de duas obras de Alexandre Dumas, pai: um texto em Crimes Célèbres, de 1840, e uma peça chamada Urbain Grandier, de 1850.

Giuseppe Tartini

Giuseppe Tartini

Até aqui podemos perceber que o Diabo tinha uma predileção por clérigos, seja para manter seus trabalhos na Igreja, subir na hierarquia cristã, ou simplesmente corromper uma boa alma. Nada mais agradável para o Diabo do que transformar um servo de Deus em um relicário de maldade. 

Mas, a partir da história de Tartini, esse importante compositor e violinista de Veneza, que viveu entre 1692 a 1770, podemos dizer que o Diabo se voltou a outro talento da alma humana: as artes. Antes de Tartini houve um pintor chamado Christoph Haizmann, que viveu entre 1650 e 1700, que, reza a lenda, assinou não somente um, mas dois pactos com o Diabo. Pouco se sabe sobre a história de Haizmann, apenas se sabe que em 1677, cada vez mais ansioso, foi atrás de um exorcismo para desfazer um dos pactos. Para guardar os detalhes do exorcismo, um manuscrito foi preservado, chamado Trophæum Mariano-Cellense, parte escrito em latim, parte em alemão. O documento foi redescoberto em 1920, e  Sigmund Freud foi o primeiro a analisá-lo em um artigo chamado “Uma neurose demoníaca do século XVII”.

Representação de O Trinado do Diabo

LEIA+: O TRÍTONO DO DIABO: A HISTÓRIA DO DIABOLUS IN MUSICA

Outros pintores devem ter tido histórias semelhantes, mas aparentemente o Diabo gostava mesmo era de música. Como mencionado, Tartini era um compositor de Veneza. Acreditava-se que Tartini teria composto a “Sonata para violino em Sol menor”, conhecida por aí como “Sonata Trinado do Diabo”, após o próprio, em rabo e chifre, ter aparecido para ele. De acordo com a história, Tartini estava muito para baixo depois de ver um outro violinista tocar muito melhor que ele. Se tornando recluso e desesperado, praticando por mais de 12 horas por dia, conta-se que certo dia, então, o Diabo apareceu e lhe estendeu a mão. O Diabo disse que poderia fazer Tartini famoso, desde que desse sua alma, mas Tartini queria saber como ele faria isso. O Diabo então tocou a famosa sonata. Quando acordou, Tartini ainda se lembrava dela, mas não conseguia tocá-la como o demônio. Esta foi sua música mais famosa, apesar da tristeza de Tartini que se seguiu durante toda sua vida: ele jamais conseguiu tocar a Sonata da forma que o Diabo tocou para ele naquele pesadelo.

Niccolò Paganini e Philippe Musard

Niccolò Paganini

Pouco depois da morte de Tartini, nasceu Niccolò Paganini, em 1782, outro violinista e compositor que, acredita-se, trocou sua alma com o Diabo para poder ser um instrumentista incrivelmente talentoso. Mas, na história de Paganini, ele pouco tem culpa. Os boatos sobre seu pacto com o Diabo surgiram somente por sua prática rígida e suas proezas que, muitos acreditavam, serem sobre-humanas. No caso de Paganini, tudo não passava de prática, mas muitos acreditavam que o pacto era real. Quando o músico morreu, os padres não queriam nem enterrá-lo no solo sagrado da igreja.

Panfleto de um concerto de Philippe Musard

Ainda nesse final do século XVIII nasce outra estrela: Philippe Musard, um astro internacional, fazendo concertos por onde passava, tanto para classes altas quanto para classes mais baixas. Estudiosos afirmam que ele foi um dos responsáveis pela disseminação da música clássica pela Europa. Mas Musard era um cara excêntrico: seu jeito de se vestir, a forma como tocava e o jeito que se portava em público diziam muito sobre sua personalidade. O que hoje poderia ser visto como uma personalidade de astro do rock, naquela época era somente estranho e um pouco vulgar. Então, podemos imaginar que não demorou muito para Musard ser o novo queridinho do Diabo. 

Diferente de Tartini, Paganini e Musard não foram os responsáveis pelo boato do próprio pacto. Quais dos pactos são reais? Todos? Nenhum? O que nos interessa aqui é a história.

Robert Johnson

Robert Johnson

LEIA+: BLUES E PACTOS: ROBERT JOHNSON E O DIABO NA ENCRUZILHADA

Mas, de todos os músicos que afirmaram ter feito o pacto com o Diabo, um dos maiores responsáveis pela lenda se espalhar como fogo em pólvora foi Robert Johnson. 

Johnson nasceu em 1911, em Hazlehurst, Mississippi. Sendo um rapaz negro no início do século XX, ainda mais no Mississippi, as coisas não eram fáceis para o jovem Robert, que se mudou frequentemente até 1929. Em 1929, Johnson é retratado como um péssimo guitarrista. Nessa época, retornando para um local próximo de onde nasceu, Johnson aprendeu algumas técnicas com Isaiah “Ike” Zimmerman. Reza a lenda que o próprio Ike aprendeu a tocar guitarra de alguma forma sobrenatural, visitando cemitérios à noite.

Animação do documentário O Diabo na Encruzilhada, sobre Robert Johnson, da Netflix

Johnson ficou esse período meio distante e, quando retornou para Robinsonville, estava tocando muito melhor do que jamais havia tocado antes. Um dos conhecidos de Johnson na época, Son House, outro músico de blues, e uma das pessoas que se lembram de Johnson como um garoto que não sabia tocar nada, acabou auxiliando na ideia de que o pacto era real, após algumas entrevistas feitas por pesquisadores do blues. 

Johnson morreu em 1938, e de e 1932 até sua morte, viajou como músico de blues itinerante. 

De todos os nomes citados, com exceção de Fausto, Robert Johnson é a maior lenda ligada ao pacto com o Diabo. Sua influência na música foi gigante, e sua história ajudou a semear no século XX o tema da barganha com o demônio na cultura popular. O documentário O Diabo na Encruzilhada fala um pouco sobre sua história, e como personagem já foi citado entre filmes e séries de TV, como Supernatural

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Como mencionado, é difícil dizer onde essas suposições sobre pactos com o Diabo começaram, de onde isso surgiu, quem foi o primeiro. Mas, pelo que pudemos perceber pela ordem cronológica das personalidades listadas, a barganha é, na maioria das vezes, utilizada para deixar a população com medo de atitudes e ações contraventoras. E isso porque não falamos sobre as vezes em que o pacto com o Diabo esteve aliado aos processos de caças às bruxas. Mas isso fica para outro momento…

Seja como for, na literatura, no cinema ou nas histórias tidas como reais que listamos aqui, uma coisa fica bem clara: vender ou trocar sua alma com o Diabo pode não ser a atitude mais esperta. Mas é pra lá de tentador.

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