As camadas de terror de Parasita

O primeiro longa de língua não-inglesa a ganhar o Oscar de Melhor Filme pode ser considerado um filme de terror moderno. Conheça as características da obra-prima de Bong Joon-ho.

* O texto contém spoilers

Filmes de terror não costumam ser muito populares no Oscar. O mais próximo que eles chegaram a ganhar a principal estatueta foi com O Silêncio dos Inocentes e, agora, com o sul-coreano Parasita.

Olhando superficialmente, Parasita pode até não se encaixar oficialmente em um filme de terror, mas os elementos transgressores do gênero estão lá. O longa de Bong Joon-ho, que arrebatou quatro estatuetas do Oscar em 2020, desafia as classificações cinematográficas, encaixando-se ao mesmo tempo em drama, comédia, suspense e, claro, terror.

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Parasita começa como uma típica comédia de humor ácido, o que causa uma falsa sensação de segurança ao espectador. Somos apresentados à família Kim, humildes e trambiqueiros à sua maneira.

Conforme os membros da família Kim se infiltram na luxuosa mansão dos Park e se sentem cada vez mais à vontade, a chave muda para o suspense. Reviravoltas tão sinistras acontecem rapidamente que o espectador é arrastado para o desfecho dos eventos, que honram suspenses e filmes de terror com muita maestria.

A produção tem direito a alguns jump scares e uma sequência totalmente dedicada ao gore. Apesar destes elementos pontuais, o verdadeiro terror de Parasita está mais presente no aspecto psicológico do filme.

Parasita também é um thriller psicológico

Cena de Parasita, filme ganhador do Oscar de 2020

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Segundo um artigo do sistema da biblioteca de Burlington County, os thrillers psicológicos “enfatizam as condições instáveis e delirantes dos personagens e focam nas profundezas errantes da mente humana”. Neste aspecto Parasita é um prato cheio, com personagens de ambições perversas, capazes de cometer crimes terríveis para sobreviver.

Vamos falar especificamente da família Kim, que é o centro da história: apesar de não terem qualificações, eles constroem seu caminho para os empregos com a família Park. Além disso, eles chegam a intoxicar uma personagem e forjar situações que causam a demissão dos antigos empregados. 

A coisa fica ainda mais perversa quando há o risco de eles terem seus segredos expostos. Os Kim recorrem à tortura, acreditando firmemente que eles conseguirão se escapar. É ali que o desespero deles se converte em loucura, que chega ao sangrento clímax em uma inocente festa de aniversário de criança.

Desta forma, o roteiro de Bong Joon-ho cuidadosamente disseca o desgaste do estado mental dos Kim. Não é um filme de terror com forças sobrenaturais ou demônios que possuem as pessoas, são os acontecimentos da vida real, do dia a dia, com todas as suas ameaças e inseguranças que conduzem pessoas a um vortex de psicopatia.

O thriller social como subgênero do terror contemporâneo

Cena de Parasita, filme ganhador do Oscar de 2020

Desta forma, podemos considerar que Parasita também se enquadra em um thriller social, um estilo de suspense cada vez mais popular. Isso porque os fatores que ameaçam os Kim são provocados por questões sociais, como o estigma da pobreza e o próprio desemprego. A insegurança sobre o futuro gera medo e, como diria o Yoda, “o medo leva ao lado sombrio”.

Para explicar melhor como um thriller social se enquadra no terror contemporâneo, podemos utilizar um filme com este mesmo recurso: Corra!, de Jordan Peele. Em vez da pobreza, a ameaça aqui é o racismo predatório. O próprio Peele explica que neste tipo de história o monstro em questão é a própria sociedade. Exatamente o caso de Parasita.

Isso é tão palpável no filme que, apesar do gore nonsense do terceiro ato, o que mais assusta o espectador nem é o banho de sangue dos personagens: é o fato de como os ricos ignoram e desumanizam os pobres. A diferença entre classes é expressada de forma física, com os Park vivendo no alto e os Kim abaixo do nível da rua, entre outros detalhes como comentários sobre o cheiro dos personagens mais pobres e a imundice de um vaso sanitário durante uma enchente.

Cena de Parasita, filme ganhador do Oscar de 2020

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Esta diferença é enfatizada o tempo todo pelos Park também. Apesar de parecerem amigáveis, há algo desumano na forma que eles falam de seus criados, além de a família utilizar seu dinheiro para se diferenciarem da classe que consideram inferior.

Sem cair na dualidade de que um lado é necessariamente bom e o outro é o vilão da história, Bong Joon-ho aponta como monstro a própria sociedade, corrompida e desumana em todas as suas camadas. No fim das contas, o título é mais abrangente do que se imagina: todos são, enfim, parasitas.

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Renunciei à vida mundana para me dedicar às artes da trevas. No meu cálice nunca falta vinho ungido e protejo minha casa com gatos que afastam os espíritos traiçoeiros. MACABRA™ - FEAR IS NATURAL.