Entenda o que torna o folk horror tão assustador

O subgênero que explora lugares esquecidos e rituais antigos desperta nossos medos primitivos. Saiba mais sobre o folk horror.

Há algo de muito macabro quando o assunto envolve lugares distantes e pequenas comunidades em meio à natureza. Ao mesmo tempo em que esta conexão parece pura e primitiva, ela pode ser sufocante e despertar nossos mais nefastos instintos. Neste terreno fértil para os mais profundos medos é onde cresce o folk horror, gênero de Condado Maldito, graphic novel da DarkSide® em parceria com a Macabra Filmes.

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O terror é um gênero multifacetado que, de uma forma ou de outra, irá gelar profundamente a espinha de todos nós com base naquilo que mais tememos: pode ser a aleatoriedade de um serial killer em um slasher, a incompreensão dos mecanismos do universo do horror cósmico ou o medo imposto pelos nossos dogmas, como ocorre em filmes que envolvem exorcismo, ocultismo e paranormalidade. Mas há algo de primitivo no folk horror que mexe um pouco com cada ser humano, independentemente da idade e de suas crenças pessoais.

O subgênero ganhou força nos anos 1960 graças a um movimento de diretores ingleses que queriam evitar os clichês góticos e pretendiam se afastar ainda mais do mundo moderno. Isso gerou uma série de filmes que abordam paisagens rurais e superstições inglesas, como O Homem de Palha, O Caçador de Bruxas e O Estigma de Satanás.

Todos estes filmes abordam práticas pagãs comuns na Grã-Bretanha antes da imposição do cristianismo, a caça às bruxas na Idade Média ou invocações satânicas. O que esses temas têm em comum é a conexão com a terra, com o lado obscuro da natureza e seus efeitos no passado e no presente.

A nossa assustadora conexão com a terra

A terra e a natureza são coisas que compartilhamos com todos os seres. São elementos que despertam os nossos sentimentos mais primitivos, de antes mesmo do ser humano constituir o que hoje chamamos de civilização. É o que permite que crianças rejeitem seus limitadores impostos pela sociedade, como religião e comportamento considerado respeitável.

Em lugar primitivo, atos de luxúria e violência podem evoluir rapidamente para seus extremos, como estupro e assassinatos. Sem o julgamento de uma sociedade estruturada e a sensação de que não haverá consequências sobre crimes, o folk horror se vale deste sentimento de isolamento e impunidade para aterrorizar as pessoas com a ideia de que a justiça, pelo menos terrena, não virá. Talvez nem a divina, já que estes lugares parecem ter sido esquecidos até por Deus.

O contato com a grandiosidade da natureza tem um efeito limitador no ser humano, uma lembrança de que todos estamos aqui só de passagem e que esta mesma natureza estava aqui antes da nossa existência continuará muito depois de nós. Isso reforça a ideia de que os humanos são insignificantes diante da imensidão do nosso planeta, um sentimento sufocante que é transmitido ao público.

Além da natureza em si, histórias de folk horror focam na nossa insignificância até mesmo diante do fluxo da sociedade. Não são raros artefatos ou lendas milenares com os quais as personagens precisam lidar. Isso promove uma espécie de conexão com nossos antepassados, mas ao mesmo tempo um lembrete de que nós também estamos apenas de passagem e que todo o mal que existe há séculos é algo muito mais forte e permanente do que nossas ações.

Quando falamos em natureza também estamos falando da perda do controle do ser humano. Até os dias de hoje, desastres naturais são responsáveis pelas mortes de milhares de pessoas e, por mais que a tecnologia avance, a sociedade ainda não encontrou uma forma de preveni-los ou de se proteger de uma forma realmente eficiente. No folk horror esta sensação de impotência é ainda maior: não somos donos da terra e não estamos seguros em momento algum, o que cria a enervante sensação de que algo trágico possa acontecer a qualquer momento e que não possamos fazer nada para evitar isso.

Isolamento e a perda da nossa noção de humanidade

A ideia do isolamento humano também é algo muito forte nas histórias de folk horror. A ausência da sociedade por perto para julgar cada ação é algo que pode despertar o que há de pior no ser humano. Estudiosos até alertam para um processo de desumanização de quem vive desta forma.

Aliás, vale destacar que há duas formas de interpretar a palavra desumanização e as duas podem ser encontradas em obras de terror. Em Invasores de Corpos, livro publicado pelo selo Macabra da DarkSide® Books, o processo de desumanização envolve a apropriação dos corpos dos humanos por criaturas alienígenas que privam as pessoas de sua individualidade. Quando o assunto é folk horror a interpretação é um pouco diferente…

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A desumanização de quem vive em isolamento envolve a rejeição espontânea das normas sociais, quase que num processo inverso ao medo de Invasores de Corpos: lá o entendimento de humanidade tem a ver com a individualidade, enquanto no folk horror é justamente o conformismo com as normas sociais

Um filme que trabalha bem este contraste entre o que é considerado humano é O Homem de Palha, em que o Sargento Howie (Edward Woodward) representa a sociedade, os valores morais e até as convicções religiosas. Para o personagem há um forte conflito ao se deparar com comunidades e costumes que não fazem parte da sociedade da qual ele faz parte e trabalha para defender. O filme põe em xeque as nossas noções de bom e mau, certo e errado e, enfim, do que é considerado “ser humano”.

Ou seja, o isolamento não precisa ser necessariamente de um indivíduo, mas de uma pequena comunidade, alheia aos valores do que chamamos de “civilização”. Em seu núcleo, elas são livres para ditar suas regras e seguirem seus costumes a sua maneira, a exemplo de Midsommar: O Mal Não Espera a Noite, em que as tradições de uma distante comunidade escandinava são vistas com estranheza pelos visitantes do lugar. O senso de unidade destas sociedades isoladas costuma ser muito maior do que a do nosso mundo globalizado.

O escape através de utopias pessoais

Há um outro elemento crucial para o fascínio em torno do folk horror: a euforia das personagens em se ver em um mundo aparentemente sem regras — ou pelo menos com regras diferentes daquelas que elas estão acostumadas. Elas encontram uma forma de libertação ao se deparar com a escolha de se livrar das suas amarras sociais em troca de prazeres mais primitivos.

É como se houvesse uma inversão de valores: o verdadeiro terror está na norma social, nos horrores provocados pela própria sociedade que se denomina tão civilizada. Viver em um lugar livre de tudo isso é a utopia destas personagens, que ainda não estão cientes dos perigos que este mesmo ambiente pode lhes proporcionar.

Em A Bruxa, por exemplo, esta utopia não está no exílio da família de sua comunidade. Eles se deparam com as dificuldades de viverem por conta própria neste isolamento, porém, para a filha Thomasin (Anya Taylor-Joy) o próprio círculo familiar é a sociedade da qual ela se sente tentada a se libertar para, então, viver sua utopia mais ligada à natureza.

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E é justamente esta utopia que se torna tão atraente e tão intrigante para o público: assim como as personagens, nós também queremos encontrar um escape dos nossos filtros sociais. A ficção, em especial a fantasia, tem este poder de nos desligar da realidade. No caso do terror, ele permite que nos conectemos aos nossos impulsos mais primitivos e violentos, proporcionando uma espécie de bem-estar ao mesmo tempo em que nos leva a questionar a nossa moralidade em gostar deste tipo de conteúdo.

Isso fica ainda mais escancarado no folk horror, em que estes impulsos se tornam conectados a tudo o que nos cerca: vida, natureza e tudo o que veio antes e virá depois dela. Personagens e espectadores têm a oportunidade de viver uma espécie de escape, em que as regras da sociedade não existem e a ordem natural, a força da natureza, toma conta por meio da violência. 

Folk horror tem a ver com a nossa consciência em relação à natureza e na aceitação de todas as coisas terríveis que ela também traz e é isso o que torna este tipo de terror tão inerente àquilo que somos em essência.

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Renunciei à vida mundana para me dedicar às artes da trevas. No meu cálice nunca falta vinho ungido e protejo minha casa com gatos que afastam os espíritos traiçoeiros. MACABRA™ - FEAR IS NATURAL.