Invasores de Corpos e a Paranoia da Guerra Fria

Como o contexto da época influenciou o livro de Jack Finney, Invasores de Corpos, thriller de ficção científica que se tornou um clássico.

Quem vê a história de Invasores de Corpos de Jack Finney pode até suspirar aliviado que todos este terror pertence apenas ao campo da ficção. Afinal, ver a população ser controlada por alienígenas é algo inimaginável no mundo real. Porém, o sentimento das personagens do livro é muito mais próximo da realidade do que gostamos de acreditar.

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Você provavelmente já ouviu alguma frase dizendo que tudo é sobre política, até aquilo que não é. Podemos trazer esta afirmação para a trama de Invasores de Corpos, inserindo-a no contexto histórico em que o livro foi escrito e a primeira adaptação para o cinema foi feita. Os alienígenas podem até ser fictícios, mas a sensação de que as vidas das pessoas estavam sendo gradativamente controladas era muito real. Aliás, ainda é muito real.

Escrito na década de 1950, o livro thriller de ficção científica surgiu durante o pós-guerra dos Estados Unidos. Vale lembrar que, apesar de terem sido aliados durante a Segunda Guerra Mundial, os EUA e a União Soviética encabeçaram o período conhecido como Guerra Fria — uma divergência entre as duas potências que não resultou em confronto direto, mas em várias disputas e apoios a conflitos locais.

Apesar da ausência de um conflito envolvendo diretamente as nações, elas passaram a investir pesadamente em armamento, principalmente no que envolvia tecnologia nuclear. O lançamento das bombas atômicas ao final da Segunda Guerra deixou o mundo em alerta e receoso de que algo assim pudesse acontecer novamente e em maiores proporções. Estados Unidos e União Soviética investiram justamente neste tipo de arma alegando uma suposta “prevenção” caso o outro país atacasse primeiro.

Como se a ameaça de uma guerra nuclear não fosse suficiente, as divergências dos modelos políticos e econômicos adotados entre as nações, capitalismo e socialismo, levaram a uma desconfiança geral, principalmente quando o assunto era a ação de agentes secretos infiltrados no país rival, coletando informações que poderia ser úteis caso a Guerra Fria esquentasse. E é aqui que os alienígenas de Finney entram.

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Como Invasores de Corpos ecoou a paranoia dos Estados Unidos

Na trama de Jack Finney, os pods alienígenas se transformam em réplicas apáticas de seres humanos, possuindo os corpos de pessoas reais enquanto elas dormem. Pensar em algo assim em uma época em que o governo e os cidadãos estadunidenses temiam a disseminação do comunismo, tanto em outros países como dentro dos EUA, parece uma analogia bem óbvia a este contexto: uma ideologia estranha e transgressora que, sorrateiramente, começa a tomar conta de nossos vizinhos, amigos e familiares, transformando-os em aliens que querem destruir o nosso estilo de vida.

Mas as comparações não param por aí. Algumas pessoas vão ao outro extremo desta paranoia, não necessariamente apontando os aliens como comunistas, mas como agentes do próprio governo. Durante a época conhecida como “caça às bruxas”, havia uma espécie de histeria coletiva, provocada principalmente pelo senador Joseph McCarthy, quanto à infiltração comunista na sociedade e principalmente na mídia. 

Foi durante esta época que foi criada uma lista negra de jornalistas, artistas, diretores, roteiristas e diversos profissionais de mídia, que supostamente estariam envolvidos com a propaganda comunista. Sob este ponto de vista, os seres humanos que perdiam a sua individualidade e vontade de viver seriam a própria sociedade conformada com o Macarthismo e privada da sua liberdade de pensamento.

Embora os detalhes das interpretações possam variar, o consenso é de que Invasores de Corpos lida com o medo da perda da autonomia, do individualismo – seja ele ameaçado por regimes totalitários comunistas ou de direita. Independentemente do objeto do medo, o livro pode ser interpretado como uma convocação a resistir à conformidade da sociedade de massa, destacando a importância do indivíduo pensar por conta própria e seguir suas convicções sem a necessidade de se adequar ao senso comum.

Com uma mistura de terror e ficção científica, Invasores de Corpos, no fundo, não tem muito de ciência, monstros ou assassinatos. Ainda assim, consegue ser uma das tramas de terror mais multifacetadas já escritas. O livro de Jack Finney explora ao mesmo tempo o medo de uma infiltração indesejada e de um totalitarismo disfarçado de democracia, mergulhando nos medos mais profundos do público, que são aqueles relacionados ao seu dia a dia e à ameaça do seu estilo de vida.

Sem um endereço certo, como o comunismo ou o Macarthismo, Invasores de Corpos consegue se tornar uma obra atemporal, explorando os medos primitivos do indivíduo enquanto parte de uma sociedade. Em tempos de governos conservadores, fake news e algoritmos cada vez mais sagazes na internet, o medo de que seres humanos tenham suas mentes invadidas por um pensamento conformista e de manada nunca pareceu tão válido.

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A pré-venda de Invasores de Corpos já está rolando na Loja Oficial DarkSide Books até 12 de novembro e vem acompanhada de um caderno exclusivo. Se você curtiu a novidade macabra, compartilhe com seus amigos no Twitter Instagram.

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Renunciei à vida mundana para me dedicar às artes da trevas. No meu cálice nunca falta vinho ungido e protejo minha casa com gatos que afastam os espíritos traiçoeiros. MACABRA™ - FEAR IS NATURAL.