Magia no cinema: a bruxaria nas telas em um século

Entre senhoras aterrorizantes com narizes pontudos e mulheres poderosas que vivem na floresta, as bruxas passaram por várias transformações no cinema.

Apesar de bruxas como personagens não serem específicas no terror — muitos filmes de comédia e romance utilizam a bruxaria e feitiçaria como pano de fundo para suas histórias —, são nesses filmes que o potencial desse tema pode ser melhor explorado. Não somente pela possibilidade do medo da bruxaria em si, de feiticeiras horrendas que podem invocar maldições e todo o tipo de estereótipo criado ao longo dos anos das bruxas no cinema, mas também por todo o horror da caça às bruxas, da paranoia e da perseguição.

Filmes de bruxas podem ser alegóricos sobre diversas situações, principalmente sobre o período histórico dos quais elas foram as protagonistas.

Margaret Hamilton como Bruxa Má do Oeste, em O Mágico de Oz, de 1939

O cinema, de modo geral, trabalhou com pelo menos dois tipos de bruxaria: a bruxaria ligada ao espiritualismo e ao paganismo, que tem como fonte os meios naturais, a energia vinda da própria natureza; e a bruxaria aliada ao satanismo, do pacto com o diabo, a bruxaria mais conhecida pelos escritos contidos no Malleus Maleficarum. Dentre os dois surgem outras ramificações e possibilidades. E assim como outras criaturas icônicas do cinema, reais ou ficcionais, a história das bruxas na mídia rendeu uma série de estereótipos. 

Desde os primeiros anos do cinema até hoje, diversas histórias sobre bruxas surgiram: bruxas boas e bruxas más, bruxas que retornam dos mortos por vingança ou bruxas modernas. Criamos uma cronologia com os filmes mais importantes sobre bruxaria lançados desde a primeira década do século XX até os dias atuais.

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1920 – 1930

Häxan – A Feitiçaria Através dos Tempos, 1922

Antes da década de 1920, o cinema nos trouxe algumas narrativas com feitiçaria e alquimia. Em 1903, por exemplo, é lançado o filme de quatro minutos Le puits fantastique, de Georges Méliès, de uma bruxa que, buscando vingança, condena um vilarejo inteiro ao inferno. Em 1916, temos Witchcraft de Frank Reicher. Trabalhar com esses temas, de bruxaria e feitiçaria, era uma forma de apresentar novas técnicas e truques de filmagem, e de divertir o público. 

Mas é em 1922 que um dos filmes mais importantes (ainda hoje) sobre o tema é lançado. Em Häxan – A Feitiçaria Através dos Tempos, temos um documentário ficcionalizado da bruxaria ao longo dos séculos, escrito e dirigido por Benjamin Christensen. O filme é considerado um clássico dos filmes sobre bruxaria principalmente por sua abordagem. Em Häxan, a intenção  é compreender o mito e a histeria provocada pela caça às bruxas, bem como a forma como essas mulheres eram vistas. A intenção principal de Christensen era trabalhar ao lado de historiadores, o que não foi possível devido à falta de verba.

A Branca de Neve, 1937

Na década seguinte foram lançados dois filmes que ajudaram de forma significativa para a construção do imaginário popular do que seriam as bruxas e como elas poderiam aparecer no cinema. A Branca de Neve, lançado em 1937, deu um pontapé importante para as histórias do estúdio que viriam a seguir. É na Rainha Má que primeiro temos a personalidade de “bruxa da Disney”, inspirada pelas histórias de contos de fadas. A bruxaria da Rainha Má não está exatamente ligada ao diabo, mas há algo de maligno em sua personalidade. A Branca de Neve pode até não ser um filme de terror, mas a maldade da Rainha Má é digna de nota. 

O Mágico de Oz, 1939

Dois anos depois, em 1939, O Mágico de Oz é lançado. Baseado no livro de L. Frank Baum, temos bruxas boas, bruxas ruins e um bruxo charlatão — apesar das diferenças entre livro e filme, foi o filme que ajudou a inserir mais um tipo de bruxa em nossa imaginação: a Bruxa Má do Oeste, com sua pele esverdeada e nariz adunco, que serviria de base para diversas bruxas nos anos adiante, principalmente em histórias infantis e desenhos animados. Diferente da Rainha Má, A Bruxa Má do Oeste não possui beleza e não é movida somente pela ambição. Ela é intrinsecamente má, é de sua natureza governar pela maldade.

1940 – 1950

Casei-me com uma Feiticeira, 1942

Os anos 1940 e 1950 são marcados por uma característica dos filmes de bruxa que se seguiram por todas as décadas seguintes: a bruxa que retorna dos mortos, após ter sido morta durante a inquisição. Na maioria das vezes que esse tropo é utilizado nos anos posteriores, as bruxas que retornam buscam vingança e causam terríveis estragos na vida dos responsáveis por suas mortes, com ideais e violência e terror. Em outros, os que aparecem principalmente durante esta década, essas mulheres têm planos menos violentos. Isso porque parte dos filmes que saíram neste momento não eram voltados ao público do terror, e sim, geralmente, ao público do drama e da comédia.

Casei-me com uma Feiticeira, 1942

Um dos filmes que mais representa essa ideia é Casei-me com uma Feiticeira, uma comédia romântica dirigida por René Clair, de 1942, protagonizada por Fredric March e Veronica Lake. Lake dá vida a Jennifer, uma bruxa assassinada durante a inquisição junto de seu pai, que joga uma maldição em todos as gerações futuras de seu assassino: todos eles deveriam ter péssimos casamentos. Quando retorna à vida e encontra um dos descendentes de seu desafeto com um casamento horrendo e vivendo uma péssima vida, Jennifer resolve usar uma poção do amor para tornar a vida do homem ainda mais miserável. Mas, o filme é uma comédia-romântica, e os acontecimentos que se seguem não são exatamente trágicos.

Em 1943 é lançado o filme Dias de Ira, talvez um dos filmes mais importantes sobre bruxaria da época devido ao período em que foi feito. Dirigido por Carl Theodor Dreyer, o filme foi gravado durante o auge da ocupação nazista na Dinamarca, e conta a história da esposa de um pastor que, durante uma série de condenações por bruxaria, acaba se apaixonando pelo filho de seu marido. Na época de seu lançamento o filme não fez tanto sucesso, mas ganhou considerável simpatia após a Segunda Guerra Mundial, quando os espectadores começaram a traçar paralelos entre a perseguição de bruxas e a perseguição nazista. Dreyer negou que o filme era uma alegoria, mas ainda sim o filme ressoou nas audiências, principalmente com o movimento de resistência dinamarquês. 

Sortilégio do Amor, 1958

Sortilégio do Amor é lançado em 1958. Uma bruxa moderna acaba se interessando por seu vizinho após descobrir que ele está noivo da mulher que ela odiava durante o colégio. Para resolver seus problemas e se vingar de vez de sua desavença, ela utiliza seu gato para lançar um encantamento no homem, que se apaixona perdidamente por ela no mesmo instante. O filme é protagonizado por Kim Novak e James Stewart, a mesma dupla de Um Corpo que Cai, lançado no mesmo ano. O filme é baseado na peça de mesmo nome de John Van Druten, autor de muito sucesso no teatro do meio do século XX. Aqui, assim como Casei-me com uma Feiticeira, a ideia da feitiçaria aparece de forma mais cômica e leve.

Ainda na década de 1950 são lançados alguns filmes interessantes sobre o tema, como As Virgens de Salém (1957), dirigido por Raymond Rouleau, que é a primeira versão da peça de Arthur Miller, As Bruxas de Salém, regravada nos anos 1990; e A Bruxa (1956), uma produção francesa e sueca, dirigida por André Michel. 

1960

A Maldição do Demônio, 1960

A década de 1960 chega recheada de filmes com bruxas satânicas e cheias de ódio, que retornam de suas mortes — que, na maioria das vezes, ocorreram durante o período da inquisição —, para se vingar daqueles que fizeram mal a elas tantos anos atrás. Diferentemente dos anos 1940, os filmes não são naturalmente cômicos.

Em 1960, já no início da década, é lançado A Maldição do Demônio, também conhecido como La maschera del demonio ou Black Sunday, um marco entre os filmes de bruxaria. É em A Maldição do Demônio que a ideia de uma bruxa maligna e raivosa que retorna em busca de vingança toma força. No filme, dirigido por Mario Bava, uma bruxa vingativa do século XVII faz de tudo para possuir o corpo de uma de suas descendentes. O filme é levemente baseado na obra Viy, de Nikolai Gogol. 

Ainda em 1960 temos o lançamento de Horror Hotel, dirigido por John Llewellyn Moxey. A história acompanha uma estudante pesquisando sobre feitiçaria. Quando chega em uma cidadezinha em Massachusetts, acaba descobrindo que, na pensão onde está instalada, todos são bruxos. O filme conta com Christopher Lee no elenco, e foi criado, na verdade, para ser o piloto de uma série de TV com Boris Karloff.

O Bebê de Rosemary, 1968

É na década de 1960 também que temos um dos maiores clássicos dos filmes de terror e dos filmes sobre bruxaria e satanismo. O Bebê de Rosemary, de 1968, com direção de Roman Polanski, narra a mudança de Rosemary e seu marido para uma vizinhança que, de início, parece muito hospitaleira. Seus vizinhos são amigáveis e fazem de tudo para Rosemary se sentir confortável. Entretanto, ao longo do caminho, e quando descobre que está grávida, Rosemary entra numa crescente de paranoia e medo de que esteja sendo usada de barriga para o próprio Satã. Como diria Rosemary, “Witches… All of them witches!”. O filme é baseado no livro de mesmo nome de Ira Levin e, como pudemos notar, é um daqueles que une a bruxaria e o satanismo.

O Caçador de Bruxas, 1968

No mesmo ano do lançamento de O Bebê de Rosemary é lançado O Caçador de Bruxas, dirigido por Michael Reeves. Protagonizado por Vincent Price, o filme tem um tom mais sério e complexo. A história, apesar de ficcional, é baseada na vida de Matthew Hopkins, um notável caçador de bruxas do século XVII, que causou muito terror por onde passou. Sua crueldade era tamanha que inspirou diversas obras. Além disso, Hopkins também escreveu o livro The Discovery of Witches, em que descrevia seu ofício de caçador de bruxas, e que deve ter inspirado alguns outros caçadores.

A Filha de Satã, 1962

Indo contra todos esses filmes e resgatando uma ideia de bruxa boa, defensora, e principalmente romântica, foi lançado em 1962 o filme A Filha de Satã, que apesar do nome é um filme menos voltado para a prática da bruxaria ligada ao satanismo, e muito mais voltada ao lado espiritual e pagão. No filme, dirigido por Sidney Hayers e baseado em uma história de Fritz Leiber Jr., uma jovem tenta fazer de tudo para ajudar seu marido, um professor que está recebendo acusações graves da instituição que dá aula, e acaba percebendo que forças terríveis o estão ameaçando. O conto do qual o filme foi adaptado também rendeu outros dois longas: Feitiço, de 1944; e A Poção Mágica, de 1980.

Ainda na década de 1960 foram lançados os filmes Pacto com o Diabo (1964), As Bruxas (1967), Felizes Para Sempre (1967), e o sexploitation The Naked Witch (1961).

1970

Os Demônios, 1971

Os anos 1970 chegam com uma boa quantidade de filmes sobre bruxas e bruxaria. Um movimento já iniciado na década anterior, é aqui que as bruxas como personagens se consolidam ainda mais, para uma explosão ainda maior nos anos 1980 e 1990.

Os Demônios, filme de 1971, é um dos grandes sucessos da década, apesar de sua obscuridade enquanto filme. Dirigido por Ken Russell, o longa sofreu uma forte repressão em seu lançamento, sendo banido em uma série de países. Nos países em que o filme chegou a ser lançado, ficou pouco tempo em cartaz. Seus lançamentos em VHS e DVD também são uma raridade nos Estados Unidos e mesmo na Europa. O filme adapta o livro de Aldous Huxley, Os Demônios de Loudun, e a peça de John Whiting, também chamada Os Demônios.

A história narra um acontecimento conhecido como a possessão das freiras de Loudun, que aconteceu no século XVII na França. No episódio, a madre Jeanne Agnes e outras 16 freiras ursulinas alegaram estar sob possessão demoníaca e denunciaram Urbain Grandier, padre do local, de feitiçaria. O filme retrata como não somente esse, mas muitos dos julgamentos inquisitoriais eram tratados como espetáculos pelas autoridades e pelo público. Os Demônios tem um tom teatral e atuações excepcionais, o que gerou tanto rebuliço que o governo italiano não só baniu o filme, como afirmou que se seus atores principais, Vanessa Redgrave (Jeanne) e Oliver Reed (Grandier) pisassem no território do país, seriam presos por no mínimo três anos. 

A Tragédia de Belladona, 1973

Em 1973 é lançado o filme em animação A Tragédia de Belladona, de Eiichi Yamamoto, que traz uma personagem que sofreu um estupro no dia de seu casamento, é expulsa de sua vila e faz um pacto com o diabo para se vingar. O filme tem uma série de elementos típicos da bruxaria, utilizando a feitiçaria satânica como ponto principal. Baseado no livro A Feiticeira, de Jules Michelet. Recentemente, em 2020, o livro recebeu outra adaptação em formato de filme, uma produção espanhola intitulada Silenciadas, dirigido por Pablo Agüero.

É também na década de 1970 que temos um dos pilares mais fortes do folk horror. Em 1973 é lançado O Homem de Palha, dirigido por Robin Hardy, com Christopher Lee e Edward Woodward. No filme, um policial está investigando o desaparecimento de uma garota quando chega a uma estranha ilha. No local há um culto entre os moradores, algo antigo e pagão que o policial não consegue compreender. O filme acabou se tornando um clássico do gênero, ganhou um remake em 2006 intitulado O Sacrifício e é uma das grandes influências para o filme Midsommar, de 2019. Aqui, entretanto, a bruxaria não está ligada ao satanismo ou à paranoia causada pela inquisição, mas sim aos cultos antigos. 

O Homem de Palha, 1973

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O ano 1977 abriga dois lançamentos importantes para o horror e para os filmes de bruxas. Alucarda, dirigido por Juan López Moctezuma e baseado levemente em Carmilla, de Sheridan Le Fanu, é uma produção mexicana que ganhou uma posição de filme cult dentro do gênero. Depois da morte de seus pais, uma jovem é enviada a um convento e lá se torna amiga de Alucarda. Após terem contato com o próprio diabo, a vida das duas e do convento inteiro é alterada. 

Suspiria, 1977

Suspiria, de Dario Argento, com roteiro de Daria Nicolodi, é outro clássico do horror. Considerado por muitos o melhor filme do diretor, conta a história de uma jovem que chega até uma escola de dança na Alemanha e lá descobre uma terrível força maligna. A lenda das Três Mães foi criada a partir da terceira parte da coleção de poemas de Thomas de Quincey, Suspiria de Profundis. Na trilogia das Três Mães de Argento, as três mulheres são bruxas antigas, Mater Suspiriorum, a mãe dos suspiros; Mater Tenebrarum, a mãe das trevas; e Mater Lacrymarum, a mãe das lágrimas. A trilogia conta com A Mansão do Inferno (1980) e O Retorno da Maldição: A Mãe das Lágrimas (2007). 

Muitos outros filmes foram lançados, mas os mais significativos foram: O Uivo da Bruxa (1970), A Época das Bruxas, de George A. Romero (1972), Baba Yaga (1973), Uma Filha para o Diabo (1976) e Inquisição (1977).

1980

Superstição, 1982

Como mencionado, já em 1980 temos a continuação da Trilogia das Três Mães de Dario Argento. Mansão do Inferno conta a história de dois irmãos que estão investigando os lares das mães, e se encontram com a Mater Tenebrarum. 

A primeira metade da década é marcada principalmente por filmes de bruxaria um pouco mais genéricos, como o já mencionado A Poção Mágica (1980), Testemunha do Diabo (1982), Superstição (1982), Sorceress (1982) e uma adaptação de Algo Sinistro Vem Por Aí, de Ray Bradbury, transformado em filme por Jack Clayton, com o título em português de No Templo das Perdições. O filme é uma produção da Disney.

Halloween 3: A Noite das Bruxas, 1982

É na primeira metade dos anos 1980 também que é lançado o filme Halloween 3: A Noite das Bruxas, em 1982. O único filme da franquia que não tem como personagem central Michael Myers, e conta a história de um homem que procura deter o dono de uma empresa de brinquedos, que, através da feitiçaria e de rituais antigos, quer destruir a mente das crianças dos Estados Unidos.

As Bruxas de Eastwick, 1987

A segunda metade dos anos 1980 nos apresenta um cenário melhor para as produções sobre bruxas e feitiçaria. As Bruxas de Eastwick, de 1987, dirigido por George Miller e baseado em uma história de John Updike, é um dos marcos do período. Protagonizado por  Michelle Pfeiffer, Cher, Susan Sarandon e Jack Nicholson, o filme narra o encontro de Sokie, Alexandra e Jane com um homem estranho e poderoso, Daryl Van Horne. Os quatro se envolvem em uma relação poliamorosa, mas o temperamento de Van Horne acaba assustando as três mulheres, que se voltam contra ele. Ao subjugarem o homem, que pode até ser compreendido como o próprio diabo, as três encontram-se livres e em posse de seus poderes.

O Serviço de Entregas da Kiki, 1989

Em 1989 é lançado O Serviço de Entregas da Kiki, um clássico dos Estúdios Ghibli, dirigido por Hayao Miyazaki. Kiki é uma bruxinha em busca de tentar conquistar sua independência e aprender a lidar com seus poderes. Não é um filme de terror, mas é um filme importante para o tema. Assim como As Bruxas de Eastwick, O Serviço de Entregas da Kiki nos mostra uma bruxa tentando encontrar seu próprio caminho, uma jornada de autoconhecimento, uma abordagem que começou a aumentar o interesse do público e que já vinha acontecendo com alguns praticantes de religiões ligadas ao tema desde os anos 1970.

Apesar da maioria dos filmes desse período ainda ser sobre bruxas e bruxos maus, que querem se vingar ou se tornarem mais poderosos, seres para serem temidos como nos mostram os filmes O Feitiço das Almas (1988), Witchtrap: A Noite das Bruxarias (1989) e Warlock: O Demônio (1989), é com filmes como O Serviço de Entregas de Kiki e As Bruxas de Eastwick que começamos a ver uma mudança no trato da bruxaria, que seria mais perceptível ainda na década seguinte. 

1990

Convenção das Bruxas, 1990

Os anos 1990 estão repletos de filmes de bruxaria, e podemos encontrar todos os tipos de bruxas das décadas passadas, com níveis altos e baixos de autenticidade histórica, com poderes para o bem e com poderes para o mal, do drama ao romance passando por filmes que alterariam o gênero do terror para sempre. 

A década já se inicia com o clássico responsável por traumatizar gerações, Convenção das Bruxas. Dirigido por Nicolas Roeg e baseado em um livro de Roald Dahl, o filme é protagonizado por Anjelica Huston e conta a história de um garotinho que, sem querer, acaba encontrando uma convenção de bruxas. Atraindo atenções indesejadas, o pobrezinho acaba sendo vítima de um feitiço e se transforma em rato. Dahl não gostou muito da adaptação, achando grosseira e de péssimo gosto algumas de suas cenas, pedindo que os créditos com seu nome fossem retirados. Somente depois de uma carta de desculpas de Jim Henson, produtor executivo, é que ele aceitou que seu nome fosse mantido. 

Abracadabra, 1993

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Abracadabra, outro clássico infantil que acabou atraindo fãs de todas as idades, foi lançado em 1993, dirigido por Kenny Ortega, a partir de uma história de Mick Garris e David Kirschner. Um jovem se muda para Salem e desperta, por acidente, um trio de bruxas executadas durante os julgamentos de inquisição. Apesar de ser um filme de comédia e, tecnicamente, voltado ao público infantil, as características de bruxas que foram descritas no Malleus Maleficarum são utilizadas de forma certeira nas irmãs Sanderson. Voos, sacrifícios, a subordinação a Satã, são pontos em comum em ambas as obras.

Na década de 1990 quase tivemos um filme de bruxa por ano. Após Abracadabra, os mais significativos foram O Mestre das Ilusões (1995), escrito e dirigido por Clive Barker; Jovens Bruxas (1996), que se tornou um clássico adolescente do período, amado e referenciado ainda hoje; As Bruxas de Salém (1996), uma nova adaptação da peça de Arthur Miller; Halloweentown: Um Lugar Mágico (1998), outro filme voltado ao público infantil; e Da Magia à Sedução (1998), adaptação do livro de mesmo nome de Alice Hoffman.

É necessário abrir um parêntese na década de 1990 para comentarmos um filme lançado em 1997, Amores Divididos. A história de Nova Orleans é uma história rica e cheia de referências ao voodoo e ao hoodoo, por possuir uma ligação muito forte com o Haiti e o tráfico de homens e mulheres. O sincretismo entre ambas as culturas culminou em uma mistura de elementos dos Estados Unidos sulista e de negros que chegaram escravizados. Muitas histórias de “bruxaria” se passam em Nova Orleans, mas poucas têm cuidado com o que dizem sobre a cultura do local, da mesma forma que muitas histórias sobre o voodoo são contadas mas poucas procuram compreender melhor suas raízes, sendo uma cultura que tem forte pertencimento negro. Como é o caso de A Chave Mestra, de 2005, que utiliza os personagens negros da trama somente para impulsionar a personagem principal. O voodoo é uma religião com diversas variáveis e muitos crentes em diversos locais. O voodoo e a bruxaria, portanto, são termos e práticas distantes. Amores Divididos, dirigido por Kasi Lemmons é uma história interessante sobre amadurecimento, que concentra seus esforços em personagens negros protagonistas de suas próprias histórias. O voodoo aparece em determinados momentos. Apesar da distância entre os termos, o filme é citado aqui a título de curiosidade.

A Bruxa de Blair, 1999

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Lançado em 1999, A Bruxa de Blair, de Daniel Myrick e Eduardo Sánchez, é um dos filmes mais importantes da década graças ao seu marketing massivo pela internet. Um grupo de jovens parte em viagem para explorar uma floresta que, de acordo com a história, teria uma bruxa vivendo por lá. O lançamento do filme causou alvoroço pois, de certa forma, afirmou que os acontecimentos gravados nas câmeras encontradas eram reais. Os rumores se espalharam, e apesar de ser uma tática comum utilizada em outros filmes de found footage, a campanha online rendeu uma boa dose de interesse. A bruxaria, nesse caso, está concentrada na série de trágicos acidentes de seus personagens, que perseguiam uma entidade, uma lenda. Não sabemos, entretanto, a extensão dos poderes dessa bruxa da floresta.

2000

Stardust: O Mistério da Estrela, 2007

Apesar de não ter sido uma década muito proveitosa no que se trata de bruxas no horror, os anos 2000 ajudaram a estabelecer um interesse nessas personagens em outros gêneros. É em 2000 que grandes sagas como Harry Potter, Senhor dos Anéis, Percy Jackson e Nárnia são lançados. Todos eles possuem figuras ligadas à feitiçaria poderosas e fortes, algumas boas e algumas más. O estigma de que todas as bruxas são ligadas à Satã e são personagens intrinsecamente ruins, construído de forma lenta e progressiva principalmente entre os anos 1960 e 1970, que começou a ser desfeito nos anos 1980, passa a ser cada vez mais distante. Além das franquias citadas, temos também o remake de A Feiticeira (2005) e Stardust: O Mistério da Estrela (2007).

A Casa do Diabo, 2009

Dos filmes de horror, entretanto, temos os já mencionados A Chave Mestra (2005) e O Retorno da Maldição: A Mãe das Lágrimas (2007), A Floresta (2006) e O Pacto (2006). E, em 2009, temos A Casa do Diabo, de Ti West. Apesar de pouco comentado e pouco lembrado em listas de filmes dos anos 2000, West navega contra a corrente ao entregar uma história sobre uma babá que consegue o trabalho de uma noite em uma casa isolada mas, chegando lá, descobre que as intenções dos seus empregadores são bem mais macabras e sanguinolentas do que cuidar de uma criança. O longa foi filmado de forma que parecesse ser um filme dos anos 1980, e são notáveis suas referências. 

Em 2009 também foi lançado Arraste-me para o Inferno, dirigido por Sam Raimi com roteiro de Sam e seu irmão, Ivan Raimi. Uma mulher, ao se negar a conceder um empréstimo a uma senhora, acaba sendo vítima de uma horrível maldição. A bruxaria, em Arraste-me para o Inferno, aparece sob a forma de uma maldição cigana. Mas, novamente, é criada a partir de um estigma que pouco dialoga com a realidade. Os romani, acabaram sendo estigmatizados ao longo dos séculos por suas práticas e crenças.

2010

A Bruxa, 2015

A década de 2010 teve uma safra um pouco melhor de filmes com a temática da bruxaria, se comparada a década anterior, e alguns deles foram importantes, seja para a história das bruxas no cinema, seja para o cinema de horror como um todo. 

A primeira metade da década foi marcada por filmes um pouco mais genéricos, bem como os anos 1980. Parte desses filmes não se concentra nas bruxas, mas sim em caçadores de feiticeiras. Representantes expressivos foram Morte Negra (2010), Caça às Bruxas (2011), João e Maria: Caçadores de Bruxas (2013), Oz: Mágico e Poderoso (2013) e O Último Caçador de Bruxas (2015). Outros tentaram uma abordagem diferente da bruxaria, ou com um tom mais agressivo e macabro, ou com um tom mais cômico, e desses destacam-se respectivamente As Senhoras de Salem (2012) e As Bruxas de Zugarramurdi (2013).

A Bruxa, 2015

Dirigido e escrito por Robert Eggers, A Bruxa, de 2015, se tornou outro marco da abordagem da bruxaria no cinema. Historicamente correto, com uma pesquisa minuciosa de Eggers, A Bruxa é um retrato bastante fiel de perseguições e paranoias que ocorreram no início da história dos Estados Unidos. Thomasin, a protagonista, é uma garota em pleno amadurecimento quando passa a ser tratada como pária por sua família, responsabilizada pelas desgraças e terrores que recaem sobre sua casa, acusada de bruxaria e tratada com desgosto. A trajetória de Thomasin para a sua própria liberdade é um respiro interessante em um subgênero, como o da bruxaria, que poderia parecer desgastado para alguns. 

The Love Witch, 2016

The Love Witch surge no ano seguinte de A Bruxa. Dirigido e escrito por Anna Biller, o filme traz uma estética dos anos 1970 e explora a visão da bruxaria a partir daquela década. A vida em função de um marido, homens que tentam se aproveitar de mulheres, e ainda sim uma certa luta pela emancipação feminina, cada um dos personagens de The Love Witch nos mostra uma camada da sociedade naquele período. Junto de A Bruxa, The Love Witch é um dos filmes mais importantes sobre bruxaria das últimas décadas.

A Maldição da Bruxa, 2017

A Maldição da Bruxa, de 2017, escolhe outro cenário para uma história de paranoia e perseguição. O filme se passa no século XV, nos Alpes, e acompanhamos a jovem Albrun (Aleksandra Cwen). Inicialmente Albrun vive com a mãe, e cuida de suas doenças, até que a mãe falece. Anos se passam e Albrun agora cuida de sua filha. A jovem é isolada da vila e da sociedade em que mora próxima, pois acreditam que ela seja uma bruxa. A região dos Alpes foi importante para a disseminação da crença da bruxaria como algo maligno pela Europa, o que torna o filme uma contribuição interessante para o assunto, além de suas paisagens geladas e cenas de tirar o fôlego.

Em 2020 houve o lançamento de Maria e João: O Conto das Bruxas, com direção de Oz Perkins. Uma versão um pouco diferente do conto dos Irmãos Grimm, em que Maria encontra a casa da Bruxa e lá decide aprender com ela uma forma de sobreviver.

O que vem por aí

Mas a bruxaria é um tema que está longe de ser abandonado. Bruxaria e feitiçaria, tratados como alegorias ou ao pé da letra são fontes inesgotáveis para o gênero do horror, e aguardamos com curiosidade o que os próximos anos nos prometem. Mais feiticeiras capazes de destruir cidades com sua fúria, novas abordagens sobre bruxas reais ou fictícias, ou um retorno às raízes pagãs da bruxaria? 

Em Grimório das Bruxas, Ronald Hutton explica como foi o processo para que a magia e a feitiçaria se tornassem um dos inimigos do estado durante os séculos XVI e XVII, além de nos fazer compreender como a bruxa se tornou um personagem cativante e temido em igual medida. O livro pode ser encontrado Loja Oficial da DarkSide Books nas versões Moon Edition e Witchcraft Edition. Além dele, a DarkSide Books também trouxe aos leitores a coleção Magicae, repleta de ensinamentos da magia e da bruxaria, antigas e novas.

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Acordo cedo todos os dias para passar o café e regar minhas plantas na fazenda. Aprecio o lado obscuro da arte e renovo meus pactos diariamente ao assistir filmes de terror. MACABRA™ - FEAR IS NATURAL.