Como já vimos em alguns filmes de terror e histórias reais, pessoas podem nascer “más”, ter personalidades desviantes apesar de todo o bom tratamento e cuidados em seus primeiros anos de vivência em sociedade. O comportamento desviante e a personalidade “maligna” podem vir de diversos lugares, inclusive de si mesmo.
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Mas o contrário também pode acontecer. Pessoas podem nascer boas e serem corrompidas pelo ambiente em que vivem. Rousseau afirmou que o homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe, e não podemos dizer que ele estava errado. Uma criança boa, crescendo com visões deturpadas do mundo e de si mesma, pode se tornar um adulto de personalidade desviante.
A Macabra relembra alguns casos em que nossos personagens favoritos eram apenas eles mesmo, mas acabaram empurrados à vilania pelos mais diversos motivos.
Elfaba, a Bruxa Má do Oeste

Nós a conhecemos primeiro como a Bruxa Má do Oeste. Em O Mágico de Oz, tanto o filme de 1939 quanto o livro de L. Frank Baum, a Bruxa Má do Oeste era uma personagem considerada vilã: antes mesmo de sua busca por vingança de Dorothy que, ao ser arremessada pelo tornado a Oz, acabou pousando sobre sua irmã, a Bruxa Má do Leste, ela já era uma figura temida naquela terra.
Até então, ninguém nunca tinha parado para se perguntar quem eram realmente essas bruxas. Ambas levam a alcunha de “Bruxa Má”, mas sabemos pouco sobre elas. Dentro do cânone de 40 livros do universo de Oz — entre os 14 escritos por L. Frank Baum e os outros 26 escritos por outros autores posteriormente —, as duas são mencionadas apenas no primeiro livro. Fora do cânone, a Bruxa Má do Oeste ainda é citada algumas poucas vezes, mas é apenas com o lançamento de Wicked, de Gregory Maguire, em 1995, que alguém gasta um olhar mais demorado sobre essa personagem.

Em Wicked, Elfaba é uma jovem tímida e marginalizada por sua cor. Tratada como mau agouro desde que nasceu, todos apontam que ela não poderia virar boa coisa quando ficasse mais velha; desde pequena, ela já era um sinal de azar. Em uma terra de animais antropomórficos e seres mágicos, o fato de Elfaba ter nascido verde e com os dentes pontudos não deveria empurrá-la imediatamente para as margens da sociedade, claro, mas as escolhas da sociedade de como tratar os seus são arbitrárias.
Elfaba tenta ser uma pessoa melhor, e se esforça para se manter dentro das normas sociais, mas as coisas mudam de figura conforme ela descobre como aquela sociedade da qual tenta se encaixar é cheia de jogos políticos e abandona aqueles que a servem. Oz não é quem diz ser, os mais ricos e poderosos não ligam para as camadas mais baixas, e, ainda por cima, uma forasteira cai com a casa dela em cima de sua irmã, uma das pessoas mais importantes na vida de Elfie.

Podemos mesmo dizer, através do que sabemos em Wicked e Elfie, que Elfaba é a única responsável pelo caminho que ela tomou e que a levou a ser conhecida como Bruxa Má do Oeste?
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Se não por amor, por medo

A construção da Criatura de Frankenstein como vilã segue um caminho semelhante. Apesar de hoje termos um movimento contrário a essa percepção, que mostra como Victor era responsável por sua criação, a Criatura foi tratada como monstro por incontáveis vezes desde que o livro de Mary Shelley foi publicado em 1818.
Criado a partir de restos de cadáver através de uma experiência de Victor Frankenstein, para que pudesse provar que poderia vencer a morte e Deus, a Criatura é abandonada assim que abre os olhos. Victor considera o que criou terrível demais e volta correndo para a casa de sua família, como se aquele a quem colocou no mundo não merecesse sua atenção. À Criatura, então, resta vagar por aí, tentando aprender o que aquele que o pôs no mundo lhe negou, mas seu tamanho, sua aparência e sua dificuldade de comunicação o colocam, também, à margem. Como Elfaba, a Criatura se esforça, mas é caçada e considerada perigosa ao primeiro contato com o mundo humano.

Frankenstein é uma história atemporal escrita por uma jovem de 18 anos, ela mesma vítima de uma sociedade complexa. Mary Shelley era filha de dois grandes pensadores e perseguiu até o fim o direito de poder expor seus pensamentos através de seus livros. Para a sociedade da época, entretanto, era considerada uma garota-problema. Há muito de Shelley em Frankenstein, sem dúvida, e há muito da sociedade também — não apenas da época, mas de hoje.
Monstruosidade construída
Usando a i, o ser não nasce monstruoso, torna-se, e isso é demonstrado em algumas histórias de terror. Godzilla, por exemplo, um dos monstros gigantes (kaijus) mais famosos do mundo, foi criado a partir de testes da bomba atômica. Ao ser despertado por essa condição, levanta-se do oceano e passa a destruir o que encontra pela frente. É um personagem ambíguo: ao longo de sua história, foi vilão e foi herói, habitando essa área cinzenta no imaginário. Pode destruir o mundo, mas também o protege em boa parte das vezes.
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Em seu livro Monster Theory, Jeffery Jerome Cohen constrói a tese de que os nossos monstros são moldados a partir de projeções sociais. No caso, os maiores medos da sociedade são traduzidos em forma de vilões e monstros, principalmente em histórias de terror.

Em Candyman, Daniel Robitaille é levado a se tornar a lenda urbana que ataca aqueles que o chamam após uma injustiça da sociedade em que vivia; em A Bruxa, Thomasin é empurrada ao papel que acaba abraçando no final do filme. Esses são apenas alguns exemplos dos poderes que o ambiente e a sociedade como um todo têm sobre a vida das pessoas neles inseridos. A monstruosidade e os vilões podem ser construídos a partir dessas vivências, e muitos deles, como Frankenstein e Elfie, acabam sendo abandonados ao primeiro sinal de vingança.
No fim, o monstro quase nunca nasce monstruoso — ele é o resultado de olhares, medos e rejeições. Toda vez que apontamos um vilão, revelamos também o que tememos enxergar em nós mesmos. A sociedade cria monstros pra justificar o que não quer compreender, e é por isso que histórias como essas continuam a nos assombrar.
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