Breve história dos efeitos especiais e maquiagem no terror

Animatrônicos, maquiagens monstruosas, stop motion e CGI — a história dos efeitos especiais caminha lado a lado com a história dos filmes de terror.

Monstros, cadáveres, criaturas gigantescas ou voadoras, modificações corporais, alterações da realidade que dificilmente poderiam ser feitas sem uma equipe trabalhando arduamente para construir uma forma de passar aquilo para a tela. Da sobreposição e dupla exposição de câmeras aos efeitos práticos até o uso de tecnologia de ponta, a história dos efeitos especiais acompanha a história do cinema. E, no terror, teve um papel ainda mais desafiador e recompensador.

Desde os primeiros séculos do cinema, o terror, mesmo que ainda não fosse chamado por esse nome, era um gênero de bastante sucesso. Se pautando em temas comuns nas literaturas de sensação e góticas, os filmes do final do século XIX e início do século XX utilizavam magos cruéis e criaturas assustadoras para deixarem seus filmes mais emocionantes. 

O cinema mudo

Em 1896, Georges Mèlies lança o que seria considerado o primeiro filme de terror da história do cinema: O Solar do Diabo. Neste curta francês de cerca de 2 minutos, dois cavaleiros entram no castelo do Diabo, e o encontram com alguns de seus assistentes. Fontes afirmam que a intenção de Mèlies era muito mais de entreter sua plateia, utilizando diversas pantomimas e técnicas teatrais, do que assustá-la. São por meio dessas técnicas, e do uso de vapores e truques de ilusão, que Mèlies dá um passo importante para os efeitos especiais.

O Solar do Diabo

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Essa ideia foi bastante aplaudida pela então pequena comunidade que começava a trabalhar com os filmes de proto-terror. Nas duas primeiras décadas do século XX, diversas adaptações literárias surgiram para fazer coro a O Solar do Diabo. A primeira adaptação de Frankenstein, por exemplo, surge nesse período, dirigido por J. Searle Dawley para o Edison Studios — o estúdio de cinema de Thomas Edison. 

E as adaptações literárias — mesmo quando não contavam com autorização dos representantes legais dos direitos desses livros — continuaram acontecendo. É o caso de Nosferatu, de 1922, dirigido por F.W. Murnau. Utilizando um incontável número de técnicas e truques, como manivelas e stop motion, além de contar com uma boa equipe para maquiagens, o filme se tornou consagrado em pouco tempo pelo excelente trabalho de dar a vida a uma das criaturas favoritos da literatura e do folclore europeu: os vampiros.

Nosferatu

Mas Nosferatu também vem de outro movimento: os filmes de terror que utilizam a estética do expressionismo alemão para contar suas histórias. Usando altos contrastes entre preto e branco, além de ângulos completamente desconcertantes para a audiência, o maior representante da categoria é O Gabinete do Dr. Caligari, de 1920, dirigido por Robert Wiene.

Em um momento em que os truques de câmera, o ilusionismo e a maquiagem era tudo o que se tinha para trazer efeitos especiais às filmagens, os filmes de terror entregaram um resultado competente. Não é possível, inclusive, dissociar essas primeiras produções com o próprio teatro. Além das adaptações literárias — que já faziam sucesso em sessões de teatro pela Europa e América do Norte —, diversos textos foram usados como base para filmes do período, como é o caso de Drácula e Frankenstein da Universal, de 1931. Mas, mais que isso, foi a partir das técnicas do teatro e das feiras de variedades itinerantes, e do exagero inato presente em ambos, que os filmes de terror puderam utilizar os efeitos especiais. Desde cedo, maquiagem e efeitos práticos caminharam lado a lado.

Lon Chaney em O Fantasma da Ópera

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Um dos grandes mestres da maquiagem e, por si só, dos efeitos especiais, da era muda do cinema, aprendeu muitos de seus truques em feiras itinerantes e espetáculos teatrais. Lon Chaney possuía uma habilidade especial para traduzir, através de seu corpo e de seus gestos, diálogos inteiros. Através de um olhar, a plateia poderia sentir uma dúzia de emoções. Chaney também possuía a técnica da maquiagem e de desafiar a todos com suas próteses impossíveis, prendendo as próprias pernas e braços contra o corpo. Décadas depois, surgiriam técnicas menos dolorosas para os atores, mas Chaney fez história antes mesmo que os filmes falassem.

Lon Chaney trabalhando em suas próprias maquiagens com seu equipamento

A Era de Ouro da Universal e RKO

É impossível, também, falar de efeitos especiais e visuais no cinema de terror, sem nos lembrarmos da maquiagem icônica em Frankenstein. Quando pensamos na Criatura de Mary Shelley criando vida, dificilmente outra imagem vem à nossa mente. O responsável pelo visual foi Jack Pierce, um dos grandes maquiadores do período, que trabalhou também em outras obras do estúdio Universal, como A Múmia (1932) e O Lobisomem (1941) — este último interpretado por Lon Chaney Jr.

Jack Pierce, maquiador dos Monstros Clássicos
Dick Smith trabalhando na maquiagem de Boris Karloff em Frankenstein

Outro divisor de águas para os efeitos especiais no cinema de horror foi King Kong. Lançado em 1933, pelo estúdio RKO, com direção de Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack, técnicas de sobreposição e stop motion fizeram com que o monstro do filme, o grande Kong da Ilha da Caveira, aparecesse com um tamanho bastante superior aos de seus companheiros coadjuvantes. Para que Kong parecesse tão real na década de 1930, miniaturas de outros animais da Ilha da Caveira e diversas armaduras especiais para o gorila gigante compostas de látex, alumínio, espuma e até mesmo pelo de coelho foram conduzidas através das cenas habilmente sob supervisão de Willis O’Brien.

As maquiagens e o stop motion fizeram excelentes trabalhos se tratando dos efeitos especiais das primeiras décadas do século XX. Até aquele momento, isso era o suficiente para causar arrepios nas audiências. Quanto mais macabras as duplas exposições e superimposição de gravações, o uso do stop motion com miniaturas e as maquiagens, mais os espectadores se sentiam fascinados. O terror, além do medo, também causava fascínio em muitos jovens que cresceram naqueles dias e queriam entender como aquilo era possível. 

Os terrores vêm do espaço e das profundezas

Um desses jovens, tragados para dentro do mundo aterrorizante dos efeitos visuais impossíveis, foi Ray Harryhausen. Hoje reconhecido como um dos maiores criadores de efeitos especiais do século XX, Harryhausen se sentiu atraído pela arte quando assistiu King Kong logo em sua estreia. Depois de se encontrar com O’Brien e receber algumas dicas, levou o trabalho a sério e revolucionou a indústria com o Dynamation. Um dos nomes mais importantes da história dos efeitos especiais nos filmes, Harryhausen merece lugar de destaque quando falamos sobre o assunto.

Ray Harryhausen com a cabeça da Medusa de Fúria de Titãs

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Ao mesmo tempo que Harryhausen está trabalhando com criaturas gigantes no dynamation, o mundo é invadido repetidas vezes por criaturas que, ou vieram do espaço, ou vieram das profundezas da terra e dos mares, agigantados por alguma mutação genética causada pelos perigos das bombas e reações nucleares. Vendo hoje em dia esses efeitos, nos parece risível em como as pessoas poderiam se amedrontar diante dos macacões de látex, de borracha, de discos voadores que pareciam nitidamente seguros por fios diante das câmeras. Mas, ainda hoje, os anos 1950 se encontram como um dos momentos mais imaginativos dos efeitos especiais, e uma das décadas mais importantes para o cinema de terror.

Ricou Browning com seu traje em O Monstro da Lagoa Negra

É também nos anos 1950 que a Universal lança um de seus últimos filmes de monstros que compõem o que hoje conhecemos como Os Monstros Clássicos da Universal. Com um dos visuais mais icônicos entre as criaturas do estúdio, o Gilman, de O Monstro da Lagoa Negra, agarrou para sempre os corações dos espectadores. A criatura, que é aquática e que também se movimentava sobre a terra, foi interpretada por dois atores: Ben Chapman, enquanto estava na superfície, e Ricou Browning, enquanto estava submerso. Suas roupas de borracha eram feitas sob medida para ambos, e tanto a parte do torso quanto o capacete deveriam sobreviver sob as águas. Millicent Patrick, criadora do design da máscara da criatura, o desenhou para que parecesse um anfíbio, conferindo a ele um estilo diferente dos outros monstros, e tão icônico quanto — ou ainda mais.

Os efeitos práticos e suas estrelas populares

Após um período relativamente tranquilo ao que diz respeito aos efeitos especiais — os anos 1960 continuaram apostando em maquiagens, mas abriram um pouco a mão de criaturas excêntricas e discos voadores —, as coisas voltam a esquentar no começo dos anos 1970, com O Massacre da Serra Elétrica, O Exorcista e A Profecia. No período, um dos maiores nomes é atrelado justamente ao sucesso de O Exorcista. Dick Smith, considerado o Poderoso Chefão das maquiagens, foi um maquiador extremamente autodidata, e se tornou um dos maiores mestres na arte das próteses de látex.

O Exorcista

Pessoas penduradas em ganchos de açougue com um orçamento risível, crianças que torcem o pescoço em 360º e cabeças decepadas por um pedaço gigantesco de vidro, tudo através da técnica e dos efeitos práticos, tornou o cinema extremamente real. 

E se apoiando na realidade está um dos maiores mestres dos efeitos especiais e das maquiagens. Tom Savini, o pop star das maquiagens dos filmes de terror, rapidamente ascendeu em sua carreira após trabalhar com George A. Romero. Savini criava técnicas incríveis que pareciam impossíveis. Para ele, seu sucesso se deu porque ele viu, com seus próprios olhos, milhares de pessoas violentamente feridas nos campos do Vietnã, quando foi para a guerra como soldado e fotógrafo oficial. Como o terror é um grande movimento canibal, Savini se inspirou profundamente também nas criações de Lon Chaney e nos efeitos dos filmes dos anos 1950.

Tom Savini trabalhando na maquiagem de Ari Lehman para Sexta-Feira 13

LEIA+: TOM SAVINI: O MESTRE DAS MAQUIAGENS DOS FILMES DE TERROR

Entre Savini e seus primeiros trabalhos e o primeiro Oscar na categoria de Melhor Maquiagens e Penteados, um dos maiores filmes com os efeitos práticos inesquecíveis foi lançados: Alien, O Oitavo Passageiro. Graças ao seu design da criatura, feito por H. R. Giger, e de cenas como a explosão do tórax de Kane, Alien ganhou o Oscar de Melhor Efeitos Especiais em 1980, com a equipe composta por Giger, Carlo Rambaldi, Brian Johnson, Nick Allder e Dennis Ayling. 

A categoria de Melhor Maquiagem e Penteados foi criada em 1982 para cobrir uma demanda importante. Apesar de muitas maquiagens estarem presentes na ideia de efeitos especiais, a Academia notou a necessidade de uma categoria só para essa função depois que o filme O Homem Elefante, de 1980, cujo trabalho fascinante de maquiagem de Christopher Tucker causou furor entre as audiências, não pode ser contemplado com um prêmio. O primeiro filme a receber o prêmio na categoria, entretanto, foi Um Lobisomem Americano em Londres. A cena da transformação feita por Rick Baker e sua equipe, que garantiu um foco absoluto no que acontecia ao corpo do personagem, é, ainda hoje, uma das mais aclamadas do cinema.

Rick Baker aplicando a maquiagem de David Naughton no set de Um Lobisomem Americano em Londres

Nesse período, de assassinos mascarados e slashers, a maquiagem e os efeitos práticos sangrentos caminham lado a lado, mais ainda que nas décadas anteriores. Os trabalhos de horas de aplicações de próteses faciais que levaram os atores e atrizes à loucura, cópias de cabeças e membros que seriam usados para serem decepados dos corpos de seus personagens, e muita, mas muita imaginação foram responsáveis por alguns dos efeitos mais queridos do cinema de terror. 

Um ponto um pouco fora da curva desse período foi O Enigma de Outro Mundo. Remake de um filme dos anos 1950, o filme aborda uma criatura alienígena capaz de se transmutar em qualquer um que encontre à sua frente. Bem como alguns filmes do período, o longa de John Carpenter é considerado um dos grandes usos de efeitos práticos ainda hoje. Stan Winston, que já tinha um grande sucesso com seu próprio estúdio de efeitos, aliado a Rob Bottin, chamou a atenção de novos estúdios para as possibilidades de criação.

Rob Bottin e uma de suas criações para O Enigma de Outro Mundo

Outros filmes, também remakes dos anos 1950, utilizaram das novas técnicas e possibilidades para criar novas obras, como é o caso de A Mosca, de David Cronenberg, e A Bolha Assassina, de Chuck Russell.

Diretores e equipes de efeitos se desdobraram para imaginar como fazer câmeras pegarem os ângulos certos para que aquele mecanismo inventado na hora, com o que se tinha por perto, para esguichar sangue e outros fluidos da forma mais natural possível, não parecesse irreal demais. Destacaram-se, nesse momento, além de Rick Baker e Tom Savini, o que viria a ser a equipe KNB, e também Ve Neill, uma das maiores especialistas em maquiagem do cinema de terror.

Bruce Campbell e algumas de suas próteses para o filme Uma Noite Alucinante 3

Os anos 1970, 1980 e início dos anos 1990 continuaram apostando nos animatrônicos, stop motion, maquiagem carregada e no recém adquirido gosto pelo uso de técnicas ainda mais excêntricas que aquelas utilizadas no teatro e no cinema mudo do início do século, como vemos nas franquias de Uma Noite Alucinante, A Hora do Pesadelo e Sexta-Feira 13. Mas logo vieram os computadores para auxiliar no cinema, e a experimentação começou a mudar um pouco. 

O temível CGI

Um dos maiores motivos apresentados por fãs de cinema de terror para não gostarem tanto dos filmes da atualidade é a “perda da magia dos efeitos práticos”. O CGI acaba sendo não uma ferramenta aliada para dar vida aos pesadelos mais insanos dos cineastas, mas um usurpador, uma tecnologia de péssimo gosto usada em excesso pelos realizadores. O que, claro, não é exatamente a verdade. O CGI, como qualquer ferramenta e técnica, pode gerar excelentes resultados em mãos competentes. O bode falante de Arraste-me Para o Inferno, de Sam Raimi, pode ser um excelente exemplo disso.

O bode falante, a estrela de Arraste-me Para o Inferno

A união das duas técnicas é possível. André Øvredal, em entrevista para o documentário History of Horror, de Eli Roth, no segundo episódio da segunda temporada, fala como tentou unir ambos em Histórias Assustadoras para Contar no Escuro — com a ajuda ainda de um contorcionista competente para dar vida ao “The Jangly Man”. Nas novas filmagens de It – A Coisa, Bill Skarsgård não contou somente com os efeitos especiais de CGI para dar vida ao palhaço assassino Pennywise: ele também contou com boas doses de maquiagem e interpretação, além de detalhes de efeitos práticos. 

Esses são apenas alguns exemplos. Nos últimos anos, durante as décadas de 2010 e início de 2020, pudemos acompanhar grandes trabalhos que misturam CGI e efeitos práticos.

Bill Skarsgård como Pennywise em It – A Coisa

Assim como nas décadas anteriores, o caminho para o futuro do terror é agregar todas as técnicas e possibilidades para continuarem criando obras impressionantes. Não há técnicas obsoletas ou vilãs quando se trata do cinema de terror.

Linha do tempo criada no site Timetoast com algumas das maquiagens e efeitos especiais mais icônicos do horror

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Acordo cedo todos os dias para passar o café e regar minhas plantas na fazenda. Aprecio o lado obscuro da arte e renovo meus pactos diariamente ao assistir filmes de terror. MACABRA™ - FEAR IS NATURAL.